quarta-feira, 2 de março de 2011

O homem que deixou de sofrer

O homem que deixou de sofrer
Jb.campos

Quando os grilhões se quebram e, as portas das prisões se abrem.
Todos nós fomos, ou somos prisioneiros do medo que imaginamos
Deixe de ser seu próprio escravo, liberte-se dos pensamentos que lhe aprisionam.
Deixe de ser seu algoz!
Venha para a auto libertação!
A Paz interior é a sua grande libertadora.
Junte-se à Ela!

O HOMEM QUE DEIXOU DE SOFRER

DEDICATÓRIA
Estas escritas são dedicadas com admiração aos privilegiados que, aprenderam a desfrutar do maior de todos os bens: A PAZ!

CAPÍTULO I

O CORISCO

O céu estava vestido de anil, caindo para o lilás, quase sem as costumeiras nuvens, e os pássaros em suas melodiosas cantorias, gorjeavam em vôos rasantes.
Charles bocejou, espreguiçando-se languidamente exclamou:
- Quão grande é Deus em sua plenitude!
Ao deparar com um beija-flor extraindo o néctar de uma das suas flores, naquele dia tão límpido, não poupou elogios, e balbuciou novamente:
- Pródiga é a natureza!
Charles cultivava aquelas flores com muito apego, sendo amante das orquídeas, fazendo concessões às hortênsias, rosas, jasmins, e outras tantas.
Feliz, Charles inspirou profundamente o aroma róseo e lilás daquela manhã. Exultante em sua inspiração tomou o seu café matinal, cumprimentou os seus, e saiu para um passeio. Em sua caminhada lembrou-se que era: O Dia Da Independência. Resolutamente voltou para sua casa, e ao chegar. Perguntaram-lhe:
- Esqueceu alguma coisa, Charles?
- Vim buscar o Corisco.
Preparou as tintas e, após hora e meia aproximadamente, estava concluída sua obra-prima.
- Por que fez isso com o animal, Charles? Uma voz se fez ouvir lá nos fundos do interior da casa, era uma voz impregnada de rouquidão, e que havia saído das entranhas de uma das janelas.
Despistando, foi saindo de fininho, sem retribuir com a resposta.
Puxando o belo espécime, que agora já não era baio, e sim, um perfeito appaloosa, garanhão do índio americano do norte. Ambos se combinavam, Charles era filho de europeus miscigenado com índios, com as seguintes características:
Idade: 26
Altura: 1,80
Olhos: Azuis
Cabelos: Negros
Cútis: Jambo
E com essa textura toda, se fazia dele um galã.
Cabisbaixos, caminhavam rumo à raia - pequeno hipódromo, onde corriam cavalos, e muita grana da região.
Andaram dois quilômetros e algumas braças, e Charles movido por uma lembrança perturbadora, voltou-se repentinamente ao animal, dando um giro de cento e oitenta graus, foi a conta, uma lancetada só, instalando-se naquele pescoço um brabo torcicolo, pelo que, o jovem admirador da natureza, passou a maldizer a sorte, porém, naquele momento, inflamou-se no âmago de Charles uma chispa de lucidez, que o fez lembrar da sua querida mãe, que dava um duro danado, lavando e passando, para sustentar seus filhos. Chegou a conjeturar consigo mesmo:
- Um erro não justifica outro!
Charles havia preparado um documento para o Corisco, um pedigree, com sua linhagem genealógica, e neste batistério "oficial" batizou-o de: Folclóris-Brasílis, e metendo uns carimbos naquela certidão, assinou-a.
Charles estava se envolvendo com uns maus elementos, que se diziam seus amigos, e a sua situação estava ficando periclitante, apesar de estar profundamente arrependido, porém, não querendo falsear com a palavra, infelizmente foi às vias de fato.
O corcel era seu trunfo, que serviria para o intento de tomar algum dinheiro dos fazendeiros freqüentadores daquelas corridas.
Caminhando um pouco mais, e quase não tolerando aquela dor, num ímpeto de masoquismo, bradou:
- Independência ou Morte!
Corisco, assustado com aquela estranha afirmação, deu um estirão em seu portentoso pescoço, levantando Charles nas alturas que, com suas pernas "balouçantes", (que, é só para ficar mais poético e romântico) sentia uma enorme dor em seu pescoço, e naquela galhofaria toda, deduzia-se, que o problema ali era mesmo o de pescoço.
Corisco, um lindo animal, pêlos sedosos, devido a boa ração balanceada, que o mancebo cavaleiro havia afanado de uma fecularia das imediações, aquele mustang com seus sete palmos, e diga-se de passagem, altura respeitável, muito saudável, tal qual seu ginete.
Charles tomou uma decisão: montar a cavalgadura, e começou a procurar um apoio, um toco, barranco, caixote, ou qualquer coisa que o valesse, tal foi sua alegria ao avistar um cupinzeiro. Encostou o macho, e notou que o eqüino já não era o perfeito appaloosa, e nem o baio, e sim, um tordilho negro com laivos acinzentados a escorrer por seu dorso, e naquele instante o animal relinchava.
Instalou-se um monólogo junto daquela mata atlântica e o pasto de braquiárias mais Corisco e, outros animais que porventura estivessem locados em alguns arbustos.
Travou-se uma amistosa oratória.
- Montaria, ou não?
- E a calça de linho Panamá, tecido grosso, de fibra, sapatos em camurça preta com detalhes em branco, e a camisa de linho azul?
- Isto tudo tem preço, e dinheiro não se acha no lixo!
E, para que se completasse aquela situação melodramática, passavam pelo local, uns rapazes passarinheiros, que vieram ali para tomar banho num riacho que cortava aquela mata. Eram três jovens que, ao ouvirem aquela conversação, curiosamente subiram numa árvore, para assistirem tão inflamado discurso que, parecia-se muito com o de um astuto político em véspera eleitoral.
Logo, um dos rapazes exclamou:
- É o Charles!
- Que Charles?
- O Charles da dona Nenê, ele estudou comigo!
- É mesmo cara, é ele mesmo!
- Esse cara tá doido, endoidou de vez o moço!
Charles vaidoso e contumaz, teria de terminar o que houvera começado.
Subitamente um dos jovens, imitou o canto de um passarinho, e levou um cutucão de um dos companheiros, e quase caiu lá de cima.
Charles apavoradamente envergonhado ao perceber os simiescos jovens empoleirados, rapidamente puxou o Corisco até o tenro montículo, e, ao trepar, se estrepou, no sentido perfeitamente literal da palavra, foi um tropel ao crepitar dos gravetos que, se injetavam em sua perna esquerda, cujos estrepes eram de aroeira brava, e com a soma de todos aqueles ruídos, foi mais que suficiente para despertar a ira de um vacum que, pastava ali por detrás de uns arbustos, pés de jacarandás, que se prestam ao fabrico de móveis e outros tais.
Aquele desnaturado quadrúpede que, em desabalada investida, babava e sapateava em viravoltas, tentando atingir aquele corpanzil de oitenta e dois quilos. Charles com o susto, e as dores, caiu desmaiado. Corisco muito arisco, fazendo jus ao seu nome, mais parecia um trator, deitando os arbustos no peito, escapuliu mata adentro.
Os rapazes olhando para aquele animal bravio, de chifres pontiagudos, desceram da árvore atropelando-se uns aos outros, fugiram deixando o local, porém, aconteceu um certo desastre, um dos jovens, Malaquias, este era o seu nome, naquele qüiproquó, ao correr por entre as árvores, tropeçou metendo a cara sobre o tronco de uma espécie, conhecida pela alcunha de maminha de porca, cujo tronco é coberto por protuberantes espinhos, e os tais espinhos se impregnaram sob aquela tenra pele facial, até que fizesse o referido estrago, ao rasgá-la vigorosamente, deixando profundas cicatrizes.
Coitado do Malaquias, estava tatuado para o resto da vida, mas, como essas coisas não vêm ao acaso, essas marcas serviriam para uma emocionante identificação, de um demorado tempo que estaria por vir.

CAPÍTULO II

O GRANDE NASCIMENTO

Charles estirado sobre as braquiárias, capim de gosto acre, que serve para engorda de bovinos, e naquele estado de letargia, teve uma visão:
Apresentou-se a ele, Bepe, personagem da sua vida real, este foi o seu verdadeiro e melhor vizinho, e um grande amigo. Bepe chegou logo dizendo:
- O que faz aqui... meu filho?
- Para lhe dizer a verdade... seu Bepe, não sei!
Giuseppe era um italiano muito nobre, e muitas vezes levou Charles para sua casa, onde serviu-lhe lautas refeições, além, dos bons conselhos que lhe transmitiu.
- Charles tinha em Bepe um verdadeiro pai.
E naquela visão veio à baila uma lembrança de quando se encontravam defronte da lareira da mansão dos Campanellis, juntamente com Nícolo, filho de Bepe, que coincidentemente tinha a mesma idade de Charles, e cujo nome era em alusão ao grande músico e compositor, Paganini.
Bepe narrava uma estória sobre o violinista:
Certa feita, num recital, discretamente postava-se Nicolo Paganini, enquanto, um solista intrépido, interpretava um belo interlúdio. Paganini com o seu também, violino, por detrás de si, e com suas mãos mágicas, nos intervalos das notas musicais, improvisa canoros cantos de pássaros que, fazia a platéia delirar em aplausos, em menção ao suposto solista daqueles improvisos.
Aquela visão foi muito rápida.
Continuou Bepe:
- Charles você terá de passar por algumas aflições muito em breve, até que chegue a hora do: GRANDE NASCIMENTO.
- Charles... olhe para os lírios dos campos, que não ceifam e nem fiam, no entanto, Deus o nosso criador, nada lhes deixa faltar, e em verdade, em verdade lhe digo que, nem o rei Salomão em toda sua glória, se vestiu igual a um deles.
- Quanto a você, afirmo-lhe, seja um lírio!
- Guarde bem estas palavras, pois, elas não são minhas, mas, do grande mestre Jesus.
Estendendo-lhe as mãos, o fez levitar como se fosse uma pluma bailando suavemente nas asas da brisa.
Acordou Charles, atônito pelos acontecimentos visionários, pois, conjugou suas visões, encontrava-se quase em pé diante daquela chifruda, que o fitava com a cara esquizofrênica, querendo lhe dizer: corre que vou pegá-lo, ou talvez, querendo lhe dar uma chance.
Não se sabe como, Charles conseguiu escalar um pé de cambará, quem sabe, rastejando e rastreando Corisco, aquela árvore de casca grossa, suportava outro casca-grossa.
Sentou-se sobre uma forquilha, e abraçou o tronco rústico, e pôs-se a pensar:
- Onde estaria naquele momento?
- Naquela mata ou na casa de Bepe?
Alquebrado, tanto pensou, que caiu num profundo sono, e sonhou:
Apareceu-lhe outra vez, Bepe, que foi lhe dizendo:
- Charles, sou seu amigo!
- Você sabe o que é ser amigo?
- Pois, dir-lhe-ei!
Bepe era uma pessoa culta e loquaz.
Pegou Bepe um pergaminho, e entregou a Charles dizendo-lhe:
- Guarde bem estes ensinamentos, apesar de, verbalizá-los neste momento a você:

AMIGO:

AMIGO: É aquele que vive em estado de graça, na bem-aventurança de não se preocupar com o retorno, despido da hipocrisia e da falsidade.
AMIGO: É estado de espírito, é ser humano, apesar de humano, é possível ser amigo.
AMIGO: É atributo de poucos, pois, quem atinge este estágio, deixa de sofrer e apenas professa uma palavra tão famosa e decantada por todos os que habitam, ou já habitaram este velho planeta, o AMOR.
AMIGO: É ser natural, talvez como a mãe que amamenta o seu filho e jamais o nega.
AMIGO: É aquele que perdoa.
AMIGO: É aquele que não precisa perdoar, pois, nele já não há mais a ofensa.
AMIGO: É a dignidade de se poder pronunciar, AMIGO.
AMIGO: É dar a tal reciprocidade ao AMIGO.
AMIGO: É alteração de consciência, ou seja, mudanças de valores capacidade latentes em todos nós.
AMIGO: É estar conscientemente livre da consciência.
AMIGO: É estar cristalino.
AMIGO: É estar consciente deste significado, é ser sábio diante da efemeridade da vida.
AMIGO: É poder ser, pois, quem é está no caminho da evolução, é não se orgulhar disto, pois, este orgulho é antônimo de AMIGO.
AMIGO: É não se assoberbar, é simplesmente ser AMIGO.
AMIGO: É ser escolhido, pois, pode-se eleger amigo, somente o AMIGO.
AMIGO: Amigo é se espelhar num outro ser e desejar a ele o que deseja a si mesmo.
AMIGO: É o eterno conceito, que nos resta desta vida, sendo um memorial que jamais será extinto.
AMIGO: É o que mais nobre existe, necessidade intrínseca e extrínseca que anelamos Ter e ser.
AMIGO: É algo menos telúrico do que imaginamos e sem mera tradução.
AMIGO: É o ser maravilhoso e... onde ele estará?
AMIGO: É você mesmo, pois, está dentro de você, AMIGO.
Amigo Charles, sejamos amigos!

Acordando daquela vertigem, procurou avidamente aquele manuscrito, olhou, olhou, e nada de achar aquelas escritas, e pronunciou:
- Devo estar ficando louco!
Em compensação, avistou a vaca que amamentava a sua primeira cria, e ruminava o capim de gosto amargo.
Fitando o chão, reparou que aquele capim era o mesmo que atenazava sua vida, lá no cultivo das suas flores, e resmungou novamente:
- Este capim é mesmo a maior desgraça que existe neste mundo!
Ao examinar melhor o terreno, ficou em polvorosa, pois, notou que embaixo de si formava uma poça de seu precioso sangue, e um aglomerado de formigas povoava o local, era sua perna esquerda, que fora estrepada pelos gravetos de aroeira brava.
Com a vista meio turva, lembrou-se do diabetes da sua mãe, e que este era hereditário, e com as suas pernas, e braços entorpecidos, pela falta de circulação sangüínea, e com a coordenação motora comprometida, pensou tantas besteiras, e parecia que seus pensamentos pesavam tanto, que num estrondo, aquela forquilha ruiu, e lá se foi Charles cambará abaixo. Desta vez, viajou projetando-se para fora do seu corpo, vendo-o estatelado no chão, porém, foi tomado de uma grande paz, e tudo aquilo o fazia pensar que tinha morrido. Sentiu um grande pavor ao ver a vaca bem perto do seu corpo estirado sobre a relva, mas, percebendo estar livre de qualquer ataque, foi até aquele animal e tentou um diálogo com ele, o que lhe pareceu muito proficiente, e pelo menos ali naquele momento eles se entenderam muito bem.
Uma voz o chamou:
- Vem Charles, vem, vem... incontrolavelmente planou, e constatou que volatilizava sobre o campo verdejante, e que tinha o total domínio sobre sua altitude e velocidade, e isto era muito bom, era uma sensação sem par, longe de qualquer orgasmo possível a um ser mortal.
Pensou em seus irmãos, bem como em seus pertences, e num abrir e fechar de olhos lá estava Charles concretizando seus pensamentos, no sentido de visão etérica.
A voz, insistia em chamá-lo:
- Vem Charles... vem...
E uma coisa ele achava muito estranha, pois, planava na horizontal, volitando para o lado em que lhe conviesse, e se perguntou:
- E a aerodinâmica?
Lembrando-se dos ensinamentos que Bepe lhe transmitira, com respeito às aves em seus vôos, e como elas desenvolviam a estabilidade no ar, e muitas vezes citando os estudos de Leonardo da Vinci, como bom italiano que era, coisa lá da sua querida bota, ou seja: Península da Bota.
Prosseguindo em sua jornada, chegou em frente ao enorme portão de peroba, reconhecendo-o de pronto, transpassou-o, como se ele fosse uma nuvem de fumaça bem clara, viu a passarela de dormentes, que suportaram enormes locomotivas e seus vagões carregados de minérios, ao longo de muitos anos. Um enorme pátio verde imperava no local, como era de se esperar, pelo zelo e capricho do velho Bepe.
A voz que o perseguia, falou:
- Agora fique à vontade, Charles, pois, você já aprendeu um pouco da dirigibilidade desse seu novo veículo, fique tranqüilo, pois, estou lhe dando a carteira de habilitação amadora. Charles matutou:
- Motorista, habilitação, aeroplano, piloto...?
- Que loucura!
No final das contas, Charles, chegou a uma conclusão:
- O homem e a mulher, que não domina seus pensamentos, decisivamente não são bons pilotos!
- Que negócio difícil é esse de dirigir os pensamentos, hein...!
Charles sentou-se sobre uma pedra, que decorava o caprichoso jardim, e olhando para o céu, no infinito do seu pensamento ouviu uma voz dizer: Sem-fim, sem-fim, sem-fim... indicando-lhe a eternidade, misturando-se com os trinados dos pintassilgos e com o gorjeio de um bem-te-vi, a repetir por várias vezes o seu próprio nome. Percebendo aquela orquestração maravilhosa, Charles matutou:
- Que riqueza nos é dada graciosamente!
- Não carecemos de ingressos, e nem tão pouco de trajes à rigor para assistirmos tão magnânimo concerto, pois, estes esplendorosos músicos, não fazem qualquer exigência, vindo até aos bem trajados ou maltrapilhos, sem nenhuma acepção, no entanto, eles se vestem com tanta elegância, de forma que, se os nossos sinfônicos se vestissem assim, por certo serviriam de escárnio, pois, eles são chegados ao branco e preto.
Estes virtuoses da mãe natureza se trajam semelhantemente ao arco-íris, com seus fachos multicoloridos, e não desafinam em suas melodias, executando-as por um preço módico, bastando-nos poupar-lhes as vidas. E quando pensou em vidas, Charles fez um estudo momentâneo sobre este termo: Vida no assunto em pauta inclui também as nossas, isto é: Humanas, vegetais, minerais... Formamos uma corrente, onde cada ser representa um elo, e jamais poderemos enfraquecê-lo, pois, estaríamos enfraquecendo a própria corrente, e não basta deixar os pássaros vivos, temos de cuidar da poluição sonora, e do ar. Pois, aí está o suicídio lento e massificador da burrice humana!
Despretensiosamente pegou um caco de telha de barro, que estava poluindo o gramado e, resmungou:
Ah... se o velho Bepe visse aquilo em seu gramado!
Porém, ele, o próprio Charles, foi possuído por um estranho desejo, e começou com o caco daquela telha a rabiscar a pedra, onde estava há pouco, sentado, era uma pedra de cor branco-neve.
Bepe gostaria daquela atitude de Charles?
Charles prosseguiu escrevendo:

ECO

É com logia.
É com elogio.
É com elo.
É com ela.
É com ele.
É com íntegra.
É com entrega.
É com homo.
É com natura.
É com lógica.

- E, este eco há soar pela natureza humana! Concluiu Charles.

Olhou novamente para os pássaros e, exclamou: - Tudo isto... sem a maneira pretensiosa e temperamental dos artistas que sensivelmente se irritam com motivos banais!
Apartando-se da pedra, foi se aproximando do casarão, mirou as pedras das paredes, as janelas em sucupira, o alpendre todo florido, o pergolado, seu velho conhecido, com o parreiral de uvas que Bepe utilizava para fabricar seu próprio vinho. Entrando pelo hall da residência de Bepe, viu perfeitamente o antigo porta-chapéus, e disse:
- Esta casa é mesmo um antiquário!
Chegando à grande sala, lá estava Bepe sentado em sua poltrona de couro de porco, requintado era aquele assento, o ancião era enjoado em seu refinado gosto, no sentido de estética e conforto.
- Aproxime-se, meu filho!
- Sente-se, estava esperando, e vendo-o rabiscar a pedra do jardim.
- Peço-lhe desculpas, mestre Bepe!
- Não, não precisa, pois, você poluiu a pedra, porém, despoluiu a mente!
Continuou Bepe:
- Não pertenço mais ao seu convívio, porém, estou fadado a transmitir-lhe o que a mim me foi ensinado, comecemos pela:
HIPOCRISIA:
Esta é a maior cegueira da humanidade!
Lembrará disto muito em breve. Compare por você mesmo, Charles, hipocrisia e amor.
- O que você pensa das igrejas, com seus ensinos, e com suas relíquias em ouro, ou espécie, e isentas dos impostos?
- Já pensou nas crianças morrendo de fome todos os dias, e as igrejas acumulando relicários e latifúndios?
Sem comentar sobre a grande igreja ocidental que, na "Santa Inquisição" queimava pessoas vivas em nome do amor, e o que é mais vilipendioso ainda, dizia tratar-se do grande Amor Divino.
- Isto tudo é uma grande perversidade, ou não é, Charles?
- Charles, chama isto de amor ou hipocrisia?
Um país entra em guerra, e manda os seus filhos, de preferência os mais jovens, para lutar, crianças que nem bem saíram dos cueiros, e que vão assassinar outras crianças, em nome do amor à pátria, para satisfazerem seus mandatários, homens experientes, "sábios" donos da verdade.
- Por que eles os donos da verdade, não se atrevem a ir às suas guerras, derramar o seu sangue azul, para salvar suas amadas pátrias?
- Será que eles têm pátrias, Charles?
- Chama isto de amor, Charles?
- Charles a pouco lhe falei sobre: Amigo, mais um rótulo, sentimentos nem sempre são compreensíveis, existindo rótulos, e mais rótulos, pois bem, lhe direi em alguns versos, que serão em memória das potestades, e que deverão se postergar à posteridade.

PESADELO

Sonho bisonho,
Sonhado de um sono.
Tristonho, deitado, encharcado,
Nas poças das guerras.
Quimeras da vida.
Homens malvados,
De brigas e fadigas,
Em uso dos fracos.
Endereço da morte.
E a sorte?
Excelências em comes-e-bebes,
Comendo bebês.

PRAGA

Antes fôsseis patriotas.
Ontem, talvez fôsseis.
Amanhã sereis, talvez.
Hoje, cantais altivez.
Ancestrais fósseis!
Hoje, caóticos!
Hipócritas!
Sem éticas!
Sem óticas!
Tiriricas!
Titicas!

GUERRAS

Átrios, pátios.
Párias únicos.
Pátrios.
Filhos.
Fins.
Ais
Patriotas cínicos!
Atrás, patrocínios.
Atrai, tais, e traem
A ti oh! Pátria.
Sentinela do amor.
Senti nela o amor,
Senti nela a dor,
Sem ti, clamor!
Seja a ti o louvor!
Glória, aleluia,
Carne no prato,
Farinha na cuia.

Que espírito brincalhão tem o mestre Bepe.
- Pensou Charles. E, logo veio a resposta:
- Meu filho Charles, a jocosidade faz parte do seu aprendizado. Seja alegre, feliz, risonho, ou melhor; CRISTALINO, esta é a chave, e esta chave se encontra na fechadura do poema, AMIGO, a qual serve para trancar a passagem da ignorância!
Charles, tudo é uma questão de interpretação. Se pegarmos algumas palavras, ou letras do nosso alfabeto, e fizermos algumas montagens, aportuguesando, juntando e separando-as, com certeza criaremos outro, ou outros idiomas, exemplo: honestidade, oh! - nesta - idade! etc...
Charles, não fique impressionado com as belas palavras, e nem com quem as pronunciem, pois, palavras são palavras, e pessoas são pessoas, e elas são simples seres humanos, tão comuns e iguais a você mesmo.
Seja consciente, e não antecipe as situações, ou problemas que se apresentarem diante de você.
Charles não se esqueça de olhar os lírios, pois, o ser humano não necessita mais que, uma refeição diária, algumas mudas de roupa, e um pequeno teto, para ser feliz, e você faz parte desse contexto. Charles, na vida tudo tem preço, basta olhar para os seus semelhantes, e verá que todos pagam um preço pelo seus bens, quer sejam de ordem física ou astral.
Deverá estar pensando:
- Serei digno, apenas dessas pequenas coisas?
Não, Charles, é claro que não, porém, deverá estar preparado para o respectivo preço. Nesta mesma linha de raciocínio, poderá ver quão rico você já é, olhando para o seu interior, verá a vasta imensidão de bens que possui, vasta imensidão é pouco, indubitavelmente é imensurável.
Charles, com o tempo aprenderá a viver em outras dimensões conscientemente, pois, na inconsciência você já vive.
A consciência, somente é possível em estado alterado de espírito!
As nomenclaturas, símbolos, nomes, nem sempre são sentimentos verdadeiros de expressão.
Medite, Charles, este é o grande passo para a consciência alterada!
Raciocine um pouco sobre seus ancestrais, Charles, mulheres e homens, que vaticinaram o futuro pelo qual está você vivendo no presente, futuro maquinado eletronicamente, viagens espaciais, e, isso tudo, muito antes dos nossos nobeis de hoje. Com muitas vantagens, não gastaram suas economias. nem tampouco, seus preciosos tempos, com a mecânica, metalurgia, cibernética, etc... E ainda por luxo, deixaram fórmulas matemáticas que, são usadas pelos sábios do presente.
Charles, hoje você tem o privilégio de passar por um nascimento de consciência, pois, passaram os seus pais, deixando provas incontestáveis, sobre o futuro, e você o está praticando neste exato momento, saiba que, em projeção você poderá ir a lugares humanamente impossíveis, e naturalmente aprenderá coisas inefáveis.
Este nascimento se resume em trabalho e descanso, pois, nasce e morre a todo o instante. Cuidado... Charles, atente para os valores daqueles que o cercam, e não caia na mesmice, evolua Charles, evolua!
Bem, Charles, teremos outras oportunidades para tratarmos destes assuntos, portanto, saúdo-o:
Que a paz o acompanhe!

CAPÍTULO III

PLANO DE CAIPIRAS

Charles acordou num lugar estranho, e concluiu ter acordado morto em algum outro plano. Ouviu uma voz a lhe dizer:
- Nossa... o sinhô qué mêmo dormí hein!
- Devo estar morto em algum plano de caipiras!
- Onde estou? Pergunta Charles, com a visão baralhada.
- Tá na minha paióça, ué!
- O que é pió, tá na minha cama...
- De quem é este leito?
- Tica, dê u`a cumbuca de leite prô moço!
- Quem é o senhor? - Pergunta Charles.
- Nóis que qué sabê, quem é o sinhô?
- Eu sou Charles!
- Cumé... Chave?
- Sinhô Chave, eu sô Cris!
Aquele caipira era muito gozador, porém, educado, à sua maneira.
- Achemo o sinhô, mortinho, mortinho... lá no mato.
- O quê... mortinho? - Devo estar morto em outro plano mesmo! Pensou novamente Charles.
- Ô quê qui ôve cô sinhô?
- Foi aquela chifruda, seu Cris.
- Chifrudo, é o tá do capeta, siô Chave!
- Capeta?
- Sim, deve ser também o capeta, tudo junto!
- Seu Cris, refiro-me àquela vaca dos chifres grandes, com um bezerro.
- Ah! - Essa fia d`ua égua...
- Seu Cris, por favor, não tem nada a ver com égua, estou falando da vaca de chifres grandes.
Charles, lembrou-se de Bepe e dos seus conselhos; palavras são palavras e pessoas são pessoas.
O matuto Cris, parecia estar tirando uma casquinha com a cara de Charles.
- Cumé mêmo, siô Chave?
- Seu Cris, o senhor não sabe o que é uma vaca, boi, bezerro, et`cétera...?
- É cráro, num sô burro, ué...
- Vaca é muié do boi, se ele tivé bágo - boi é o ôme da vaca, se tivé bágo, ói... mais, se tivé bágo - bezerro é fio deles - o ôtro num sei num sinhô; cetra... cetra... se num fô estilingue, é bicho do mato... arguma coisa iva.
Charles, todo estropiado, teve vontade de chorar, não se sabe se... de ódio, ou dor.
O diálogo teria de continuar.
- Seu Cris, olhe para minha perna esquerda, e veja o estrago feito, tudo por causa daquela vaca.
- Ô sinhô, ói a minha canhota. Vô andá prô sinhô vê... fiquei manquitóla!
Charles imaginou: - Alguns desses caipiras, são como alguns idosos lá da cidade, que se fazem de surdos, somente para chamar a atenção.
- Está certo, seu Cris, já entendi tudo!
Parecia coisa combinada, perna esquerda versus canhota.
E, Charles resmungou: - O igual atrai o igual! Quase ao mesmo tempo que, ouvia uma provocação involuntária:
- O sinhô tá mêmo bêbo, tá inté...
- Bem, seu Cris, fico muito agradecido pela acolhida que o senhor e sua família me dispensaram, e...
- Sê fô prá agardecê, pó pará!
- Nóis num fáis prá recebê!
Charles tentou se mover, porém, não foi possível, e teve de pernoitar ali.
No dia seguinte, Charles insistentemente quis retirar-se. Colocaram-no sobre um carroção, com rodeiros de ferro, puxado por um xarroco, e Cris o levou por uma estrada de chão batido, e Charles gemia a cada solavanco que dava aquele veículo.

CAPÍTULO IV

A PRISÃO LIBERTADORA

Já em sua própria casa, em sua cama, refletia Charles, sobre aqueles acontecimentos, naqueles dias mesclados de alegria e dor. E ali se passavam as horas, quando de repente ouviu-se um ronco, era o jipe do Zé Duarte, caboclo matreiro, destemido e também petulante, que foi logo entrando e dizendo:
- Oh... cara, e o nosso trato?
- Você não tem palavra?
Aquilo foi a própria chifruda, babando e sapateando em sua frente.
Havia Charles feito um pacto de sangue com Zé Duarte, realmente selado com sangue.
- Sente-se Zé!
- Que sente esse... meu...
- Ontem foi o dia, e você... nada!
- Zé, estou contabilizando meus prejuízos, concatenando minhas idéias, além de estar convalescendo-me.
- Você não vê minha perna quase quebrada, e estas coceiras no meu corpo?
- Então explica, pô...!
Discutiram o tal assunto, e marcaram um novo encontro que, seria após cinco dias daquela desastrosa reunião.
Um problema encabulava a Charles, aquela coceira, que estava mais para ardência.
Num daqueles dias, quando o leiteiro foi entregar o leite da família, Charles resolveu consultá-lo, já que este lidava com muitas chifrudas e pastagens, lá no serrado da sua fazenda.
Entra o leiteiro:
- Bom dia, Charles.
- Como vai, seu Manuel?
- Bem obrigado!
- O que foi, Charles?
Explicando ao leiteiro, o que acontecera - isso, mais aquilo, etc... indagou-o:
- O senhor não tem idéia de onde vem esta coceira, seu Manuel?
- Qualquer um tem, Charles!
- Então é mais simples do que pensei?
- Se é mais simples... não sei, agora, que ela vem do seu corpo, ah... com certeza vem...!
- Seu Mané, seu Mané... o senhor é mesmo um tirador de sarro!
- Meu filho isso daí é aroeira braba!
- Mas, o que é esse negócio de aroeira?
- Charles você já ouviu falar em alergia?
- Sim, é Claro!
- Pois, é isso aí, e, só se cura com aroeira mansa!
- Ferva algumas folhas de aroeira mansa, que eu mesmo vou trazer para você, e depois tome banhos com essa fervura, espere até ficar morna, é claro, sendo três vezes ao dia, é tiro e queda, Charles.
Charles estava cada vez mais frustrado com a sua humilhante situação, pois, parecia-lhe, que todos estavam a fim de tirar uma com a sua cara, rivalizando o seu estado lastimável.
Charles, já recuperado, esperava o momento em que Zé chegasse para buscá-lo.
Zé Duarte era um colecionador de alfarrábios, do tipo, estórias em quadrinhos, aquelas de muitas ações, exemplos: Flash Gordon, Bat Man, e outros mais. E, dava valor às mais antigas, e, talvez por isso se fizesse dele um frustrado herói.
Charles estava sofrendo uma pressão atroz. Logo se ouviu a buzina abusada do jipão do Zé.
Pronto é o Zé, enquanto corria um calafrio pela sua espinha dorsal, acompanhado de um frio na boca do estômago.
- Olá, meu amigo! Foi entrando amistoso.
- Como está, pronto para mais umas chifradas?
Charles, percebendo toda animosidade do "amigo", entrou com algumas desculpas, insinuando tirar o corpo fora do negócio, na tentativa de esclarecer sua situação física e psicológica. Porém, Zé foi refratário:
- Nada disso, meu amigo, terá de ir meu.... falou....
Charles meio sorumbático, bradou:
- Tá bom, eu vou...!
- É assim que se fala, gosto de cabra que sustenta seus compromissos.
Subiram no jipão do Zé, onde se encontravam Tião e Francis, e este foi logo dizendo:
- O que está havendo!
- Você é um elemento preponderante no grupo! Falou Tião.
- Exceto eu, que posso perfeitamente substituí-lo! Replicou Francis.
Charles declinou sua tréplica, aquietando-se de vez.
Fizeram o mapeamento do local, traçaram planos, e Charles continuava macambúzio, perante os cinco elementos, que compunham o grupo.
Chegaram ao local do crime. Tião foi trocar as últimas idéias com o segurança do estabelecimento, que era conivente com aquela manobra, mas, ao abordá-lo, passava pelo local, um senhor moreno de cabelos grisalhos, que notou algo estranho naqueles cochichos. E, aquele senhor, discretamente ligou para a polícia do lugar, identificando-se como investigador aposentado, e dizendo-se muito experiente nesses assuntos policiais, e que, gostaria muito de fixar residência nas imediações.
Muito rapidamente chegaram os homens, e com o som da sirene, uns fugiram e outros foram pegos, inclusive Charles que, não esbouçou nenhuma resistência.
Charles foi levado à Corte, pois, não sendo réu primário haveria de responder perante a lei.
Aquela prisão foi sua grande libertação.
Numa cela com mais três pessoas, numa prisão do interior do estado, Charles começava agora o exercício da evolução de que Bepe tanto lhe falara.
Charles tentou a meditação e o relaxamento profundo.
Como faria os exercícios perto de pessoas tão insípidas, e apáticas a estes assuntos?
Recordando os momentos felizes que havia passado na residência de Bepe, teceu comentários:
- A mim, tanto faz estar nesta cela, como em qualquer outro lugar!
Num dos seus relaxamentos, numa manhã, percebeu que as conversas das pessoas, as batidas de latas, o som do trem e de seus apitos, os gritos do verdureiro em seu alto-falante, etc... esta parafernália toda se harmonizava, dependendo do estado de espírito do seu ouvinte, formando uma orquestração semelhante à sinfonia dos pássaros, aquela da sua visão, lá no quintal da casa de Bepe, e, para um bom efeito psicológico, era bem melhor encará-la assim, e concluiu que, o nosso céu e inferno vêm de dentro para fora.
Nós somos o que pensamos ser, e criamos as nossas ilusões, bem como, muitas das nossas dores e prazer!
O tempo passava, e Charles ganhava a confiança dos três companheiros, que começavam a admirá-lo.
Rui, um dos banidos da sociedade, era estelionatário, falsário de documentos e feitor de negociatas.
Filé era outro, que roubava bancos.
E finalmente, Tico, único dos três, que vinha de uma grande miséria, que, convém nem mencioná-la.
Charles dedicava-se às esculturas, e suas obras eram doadas para instituições filantrópicas.
Num dia, ao entalhar em madeira, um figurativo, uma cabeça de cavalo, pensou alto:
- Inerte e bestial tal qual fui!
- O que foi Charles, deu para falar sozinho?
- Oi, Rui, é você!
- Pois é, rapaz as vezes me pego a sussurrar os pensamentos.
- Cuidado Charles, Tico começou assim!
- É, Rui, devagar eu chego lá.
- Charles, por que Charles?
- Porque, meus pais nos tempos idos do cinema mudo, viam muito o Chaplin, um dos grandes gênios dessa inventiva arte cinematográfica.
- Charles, você é diferente das pessoas que conheço!
- Qual a causa dessa sua tranqüilidade?
- Rui, a nossa vida é cheia de nuanças, pois, chegamos a esta vida, virgens, totalmente despidos, num lugar estranho, até que alguém, determinado pelas forças cármicas e cósmicas, começa a nos orientar, aí começamos ter uma vaga, muito vaga idéia de duas forças preponderantes...
- Terá de me ouvir sem interceptação, Ok?
- Sim Charles!
- Pois bem, o doce e o amargo obviamente são dois sabores distintos.
- Como saberíamos dos seus valores degustativos, se, conhecêssemos apenas um deles?
- Como conheceríamos a doce vitória, se, não conhecêssemos a amarga derrota?
- O que tem tudo isso com a sua calma, Charles?
- Bem, você prometeu escutar-me!
- Tá bem, vá em frente.
- Certo, você terá de equilibrar os pólos - negativo e positivo, o equilíbrio é o instrumento específico, que deverá estar nivelado como uma balança, para que você não sofra a fobia desta vida, que destroça muita gente.
- Não acho que, quem vem parar aqui neste inferno, tenha alguma espécie de fobia, ou medo de alguma coisa, Charles!
- Rui, cuidado, olhe atrás de você...
- Tá vendo, Rui, essa pequena preocupação que o fez girar tão rapidamente para trás, já é indício do medo, qualquer preocupação que tenha com o futuro, é coisa semelhante.

- EQUILÍBRIO, é a palavra mágica!

- Interessante, Charles, essas suas palavras me fizeram bem, precisamos falar mais sobre essas coisas.
As sábias palavras de Charles, ultrapassaram os limites daquele presídio, e fizeram muitas pessoas incólumes, daquela cidade, visitá-lo.
Charles estando ligado às artes, ficou conhecendo um professor de artes plásticas, professor Dino. Num dia de visitas ali no presídio, entraram numa conversação sobre pincéis e cores. Dino falava de murais, e perguntou:
- Charles, você já teve a oportunidade de ver alguma obra de Leonardo?
- Você se refere ao... da Vinci?
- Sim!
- Como, logo eu, um pobre prisioneiro?
- É uma pena, pois, elas são esplendorosas!
- É, Dino, são obras que deveriam ficar expostas ao público, para aguçar a sua sensibilidade. A massa populacional é em si muito estática, parecendo estar com sua visão completamente vendada, pois, ela é o poder, e, não se apercebendo disso, fica nas mãos de meia dúzia de pessoas, para ser totalmente dominada, com isso quero referir-me à falta de percepção da maioria.
- É verdade, Charles!
- Dino, voltemos às cores e aos pincéis, podemos pintar eternamente sobre a cabeça de um alfinete, pois, é somente uma questão dimensional. Se olharmos para o firmamento, nas estrelas perceberemos quantos espaços existem entre elas, da mesma maneira acontece com nossos corpos e outros corpúsculos, pois, os espaços entre suas moléculas vão se ampliando infinitamente, o mesmo acontecendo com outras partículas, bem como, elétrons, prótons, nêutrons, e vai por aí afora, e em todos os corpos e corpúsculos estão as cores impregnadas, repetindo o mesmo processo em cada parte ou partícula que formam todos os universos.
As cores estão em vibração contínua, bem como os pincéis que ajudam com certeza, na formação dessas maravilhas universais.
Dino, olhe para os combustíveis, por exemplo, na queima da gasolina, álcool, ou em qualquer combustão, e, verá as cores em seus matizes, em forma de energia.
- Charles, como você pode estar num lugar como este?
Dino... poderia detalhar tudo a você sobre a minha condenação, porém, nada disso tem muita importância.
- Charles, vou chegando, mas, esse assunto é muito excitante, porém, o seu horário de visitas terminou, eu volto outras vezes para conversarmos.
Após a despedida do amigo, Charles começou a matutar sobre o seu julgamento.
- Deveria estar mesmo, preso?
Pensou no juiz que o condenara, e no promotor que tanto o acusara.
- Não seriam daquelas pessoas hipócritas?
- O pretor seria honesto, moralmente honesto?
- Ou seria aquele juiz, daqueles profissionais que optam por seguir a carta magna à risca, desprezando a moralidade.
Neste particular, Charles fazia um estudo profundo sobre a lei moral, e a legal, distinguindo bem uma da outra.
- Mas, se esses profissionais julgam friamente dentro da legalidade, em assim sendo, ainda é razoável.
Pensando um pouco mais, e não querendo cometer alguma injustiça contra os tais profissionais, ali com seus botões, continuou:
- A imoralidade não é privilégio somente de magistrados, a exemplo do médico que, com suas prerrogativas, inventa mais cirurgia no seu paciente, para poder cobra seus ricos "honorários".
E aí, Charles ficou meio alterado com aqueles pensamentos, que às vezes o fazia externar em forma de sussurros, algumas palavras, e continuou:
- Hipócritas e fariseus, melhor seria se não tivessem nascido! Repisando algumas falas da bíblia.
- Enganar a outrem é uma grande idiotice, mas, enganar a outrem e a si mesmo, vai além, dos limites ignóbeis desta vida.
- Demagogos, rindo dão tapinhas bajulatórias sobre os ombros das suas vítimas, pois, essas falsidades lhes custarão as entranhas.
- São pobres almas dignas de pena!
- E os políticos?
- Sem comentários, com raras exceções.
E o monólogo continuava:
- Não me colocaria como um juiz, num desses plenários, com seus crucifixos que servem para adornar seus egos, querendo simbolizar alguma coisa de justiça, para julgá-los.
- Mas, que bobagem estar pensando em coisas pequenas e baixas, pois, são eles realmente escribas e fariseus que, vieram a este mundo para cumprirem suas missões, para que possamos distinguir o amargo do doce.
- Porém, como ficariam essas pobres criaturas, cumprindo para sempre essas suas tristes missões?
Naquela divagação toda, logo, ouviu uma doce voz a lhe falar:
- Charles, esta dúvida permanece na cabeça de muitos humanos, mas, de qualquer forma já fomos também, escribas e fariseus, portanto, estes sentimentos de culpa e perdão, já não tem fundamento para pessoas como nós, como já lhe foi dito no poema:
- Amigo: É aquele que não precisa perdoar, pois, nele já não há mais a ofensa.
- Em outras palavras é, estar cristalino.
- Vou além, são qualidades que afetam pessoas que já conseguiram certo grau evolutivo, e que ficam quase que inteiramente despojadas das vaidades dessa sua vida.
- Paz, paz, paz, paz...
Aquela voz pronunciou por várias vezes aquela palavra sumindo lentamente.
Charles, ruminando aquelas palavras, chegou a um consenso:
- Mas, que idiotice pensar nestas coisas.
- Vou meditar um pouco.
Deitou-se de costa, e começou a conversar com os membros do seu corpo, como se eles entendessem o seu diálogo. Lembrou-se das suas visões, onde tudo era possível, e os seus membros o atenderam realmente. Charles pediu, começando pelos artelhos, subindo até o mais desprezível, e último fio de cabelo, para que todos relaxassem, e inspirando profundamente, com seus olhos fechados, imaginou um ponto no espaço, e este foi se transformando numa luz que, foi ficando muito intensa, e que se aproximava dele, e esta aproximação era crescente, e foi chegando, foi chegando, até engoli-lo.
Dentro daquele clarão inexprimível, Charles, viu-se levitando, e aproximando-se de uma escadaria, olhou maravilhado, pois, esta era feita do mais puro cristal, começou a subi-la, parecia infinita, quando ela sofre uma metamorfose, transformando-se em rolante, daí por diante tudo ficou muito rápido, igual, ou mais que o pensamento.
Chegou a um salão muito espaçoso, todo florido, com plantas exóticas, cujas folhagens piscavam transmitindo e recebendo mensagens em código morse, em que Charles era perito, pois, havia ele aprendido esta técnica com um piloto de avião, e sendo também amigo de um chefe de estação ferroviária, Charles tornou-se um exímio telegrafista. Cuja comunicação foi profícua para Charles, e que lhe falava sobre seus dias futuros, indicando-lhe muitos possíveis caminhos, que o jovem deveria tomar por seu livre arbítrio, porém, sempre tendo um entre eles de maior sublimação, e seria exatamente este que Charles escolheria, para sua felicidade.
As cores daquela visão eram inexplicáveis, e uma música preenchia todos os espaços, e um perfume inebriante tomava conta do ambiente.
Abobalhado, achou estar no céu.
Instantaneamente, fez-se ouvir uma voz muito mansa:
- Charles, este lugar não é o céu, existem lugares em planos superiores que não poderemos conhecer tão cedo. Este lugar não passa de simples sala de aulas.
- Charles, meu nome é Cléo, e agora falaremos um pouco sobre:
AUTO-ESTIMA, e se quiser pode formular perguntas! Charles, você tem ouvido muito sobre o amor, e que ele é o vínculo da perfeição, e que deve amar seus irmãos como a si mesmo. Sem dúvida, Charles, esta é a melhor das frases que você já ouviu, porém, tem deixado a desejar na sua mais pura interpretação. Simplificando e sendo lacônico, digo-lhe, deve em primeiro lugar amar a si mesmo, e depois as demais coisas, pois, você está em tudo, como tudo está em você.
Amar não é somente um sentimento banal, não, existem implicações profundas no sentido correto desta palavra. Este amor é de ordem, ou seja: você deverá estar organizado para amar, e depois sim, poderá derramar desta ordem sobre os seus próximos, de preferência aos que estiverem mais próximos, como: seu clã, seus amigos, e assim por diante.
Amor é, literalmente conscientização, sabedoria, e outros afins, pois, no ato de amar, você poderá não querer tirar a vida de um animal, mesmo para sua própria subsistência, pensando em não lhe provocar algum tipo de dor. Existem aqueles que não comem carne, mas, alimentando-se de verduras, ovos, leite e seus componentes vivos, como: seus lactobacilos, etc... assim, eles batem no peito dizendo-se superior aos demais irmãos, pois, não se apercebem que estão se enganando, e, têm eles que se alimentar de qualquer coisa viva, pois, de outra maneira não sobreviveriam.
Se pensar desta maneira, Charles, não matará os micróbios que infestam o seu corpo, e eles o comerão vivo, como de fato o fazem, porém, de forma paulatina, lentamente, contanto que, você continue com sua boa higiene.
Percebe, Charles, onde o amor vai nos levando, pois, nisto tudo vai se configurando a sabedoria do verdadeiro amor.
Daí, irmão amoroso Charles, é preciso que se cuide, não se esquecendo dos seus próximos, dos seus negócios, enfim da sua vida em si.
- Agora... se você não sabe se amar, como poderá amar alguma coisa?
Charles, se você for celibatário, como poderá discutir o casamento e suas prioridades, como: sexo - filhos - orçamento familiar - e outro tantos pormenores?
No tocante a matar ou morrer, não se preocupe, porém, atente para um detalhe, todo este assunto não é nenhum lenitivo no sentido de tranqüilizá-lo, para que cometa algum crime, pois, não estamos tratando deste assunto, contenha-se na mais pura santificação possível, tenha o amor em seu coração, amor este que vem acompanhado do discernimento.
Continuando, no que tange a matar ou morrer, tanto você como qualquer outro tipo de vida, servirão de alimentos para outras formas de vida, por assim ser, orgulhe-se, e sinta-se feliz por servir para alguma coisa, você é com toda certeza uma amontoado de energias.
- Tem alguma dúvida, Charles?
- Tenho uma!
- Como devo chamá-lo, senhora ou senhor?
- Chame-me de você, e não se preocupe com o meu sexo.
- SOLIDÃO, é outro tema importante, é por falta de entendimento que, muitos de vocês cometem o maior sacrilégio, o velho e depauperado suicídio, atribuindo muitas vezes a este sentimento sórdido, a solidão.
Charles, que bobagem, o homem criou este sentimento, e não sabe se desvencilhar dele, ora na cidade, ora no campo, em alto-mar, nas montanhas, no deserto, lá está ele imbuído deste mal-estar.
Charles, mesmo que você esteja degredado numa ilha deserta, jamais estará sozinho, pois, neste exato momento, era para você estar solitariamente acordado, lá na sua cela contemplando, quiçá, os roncos dos seus colegas a dormirem, no entanto, veio juntar-se a nós.
Então, onde está a solitude, Charles?
- Nós... onde estão os outros, Cléo?
- Não se preocupe, Charles, quando se fizer necessário eles se apresentarão!
- Charles, você faz parte da plenitude universal, portanto, jamais poderá se encontrar solitário.
- Charles, você tem dito muito sobre universos aos seus amigos, e também, sobre suas partículas, um tanto melhor, Charles, para entender estes assuntos.
- Agora chegou a vez do perdão:
- PERDÃO, terei de lhe falar novamente sobre a auto-estima, pois, se não praticar o auto-perdão, não poderá ter a capacidade de perdoar o seu semelhante.
- Charles, quando falo no seu idioma, às vezes tenho que ser redundante, para que você compreenda melhor minhas explanações.
- Está prestando atenção, Charles?
- Sim... Cléo!
- Deseja mais alguma coisa, além, destas palavras, Charles?
- Quero!
- Gostaria muito de conhecer a sua forma corpórea, e outros compartimentos aqui do local.
- Já esperava por isso, Charles.
Surgiu naquele momento, o mesmo ponto que se transformara naquela luz e:
- Eis-me aqui, Charles!
- Pensei que fosse igual a mim.
- E sou!
- Chegará o tempo em que quererá se apresentar também desta forma simplista!
Aquela luz que, com todo o respeito, pairava exatamente na altura de Charles, dando o sentido de paridade, disse-lhe:
- Por favor Charles, acompanhe-me.
Lá se foram, Charles e Cléo, planando por aqueles salões sem portas, ou janelas, e passavam pelas paredes, que se abriam, como se uma grande navalha invisível as cortasse dividindo-as em duas partes.
Chegaram numa estrada, toda diferenciada das demais conhecidas por Charles.
- Bem, Charles, desejo-lhe muita sorte, pois, terá de ir sem mim, daqui por diante use sua habilidade de piloto, já que é possuidor de carteira de habilitação.
Cléo foi se diminuindo até se transformar num ponto ínfimo.
Caminhando, Charles, pela dita estrada, ouviu o resfolegar de um cavalo, e ao verificar, viu Corisco correr pela pradaria, que dividia a estrada, viu a chifruda juntamente com a sua cria, e atentou bem para o pássaro preto, que era o companheiro inseparável daquela vaca, no seu trabalho de limpeza do couro piloso daquele animal.
A imagem daquele anu, era no mínimo curiosa, pois, quando estivera Charles trepado naquele cambará, aquele pássaro o tinha livrado de algumas preocupações, pois, quando esta ave pousara sobre o dorso daquela vaca, e bicara dezenas de vezes o seu couro cabeludo proporcionado a extração daqueles bernes, esta adormecera, e Charles pôde relaxar um pouco, porém, agora se perguntava:
- Como pode uma criatura se alimentar de outra, favorecendo outras?
Incluindo-se a elas. Aquelas imagens acompanharam-no até um portal que se abriu diante da presença de Charles, e apresentou-se para recebê-lo, uma criatura pequenina, que lhe deu boas-vindas.
Aquele ser falou:
- Charles, coloque este bracelete, pois, doravante nós nos comunicaremos somente por telepatia, pois, cultuamos o silêncio.
- Qual o seu nome? Perguntou Charles.
A criatura se emudecera por completo.
Charles se indagou:
- Por que este bracelete?
E, olhando para examiná-lo notou que nele havia um visor, e lá estava grafado:
- Eis a resposta Charles!
E era a letra de Charles com a maior fidelidade.
Charles olhou para o alto, e tudo ali era diferente, as aves voavam num silêncio profundo. Máquinas voadoras cruzavam os ares, sem o menor ruído.
Charles perguntou em pensamento, olhando para o bracelete:
- E o tempo aqui, a noite e o dia?
Processou-se a leitura mental:
- O nosso tempo aqui, pode até existir, assim como a distância pode não existir, depende... é melhor considerarmos, atemporal e imensurável.
- E a paz, que paz incrível é esta?
- Charles, lembra-se do doce e o amargo, pois, esta paz vem acompanhada de trabalho criativo, resumindo: "conscientização" de um trabalho concluído, continuará ver, e ouvir sobre esta encantadora palavra, pois, ela é o resumo de todos os bons sentimentos, sendo equilibradamente a própria sabedoria, pois, esta virá sempre despojada de sentimentos menores, como, inveja, ódio, violência, e principalmente a hipocrisia que, é a genitora dos demais, e que em si se fundem.
- Charles não se esqueça da hipocrisia!
Charles insistentemente se perguntou:
- Como se chama esta pequena criatura?
Charles percebeu que, se pensasse duas vezes, poderia dispensar o bracelete, pois, conforme fazia uma pergunta mental, logo em seguida, em sua própria mente se processava a resposta.
- Meu nome é Ignes, Charles, e criaturas pequenas são aquelas que vocês criam lá na terra, a exemplo dos computadores, pois, falarei sobre eles, já que, neles vocês estão tendo certo desenvolvimento. Bits - bytes - chips, etc... Vocês criam, porém, não entendem quase nada sobre suas criaturas, principalmente sobre suas dimensões.
A ciência humana é céptica e precária, mil cabeças pensantes dos seus cientistas, jamais faccionariam por muitas vezes um simples chip, eles não enxergam muito bem, talvez até por profunda hipocrisia, pois, a sabedoria está em suas mãos, e sob seus olhos, mas, eles sempre querem ver para crer, e alguns vendam a visão da sua sabedoria, não se apercebendo que, se desdobrarem uma partícula, entrarão num universo infinito, com tantas outras partículas, tão ou mais poderosas, que estas que eles supostamente conhecem, como o pintor e o alfinete, Charles.
Quantas descobertas vocês fizeram lá globo terrestre, cujo globo não passa de uma partícula gravitacionando perto do sol e da lua. Ínfimas poeiras cósmicas, onde o homem-verme ousa se nomear filho de Deus o Todo Poderoso, criador de todos os universos. E por falar em sol, aquele que dá a luz para que vejam o que fizeram, a tal bomba, como o próprio nome está dizendo, principalmente a bomba atômica, e aí a experimentaram em seus próprios filhos e irmãos, para poderem ter uma pequena amostragem do seu destruidor poder.
Descobriram um tal urânio enriquecido, que também, não passa de poeira, tão cósmica quanto qualquer galáxia, e que nada mais é, que selecioná-lo, para desencadear explosões assassinas. Constataram que o núcleo dessa bomba é mais quente que o do sol. Quanta emoção e alegria sentiram eles, ao verem tanta "evolução" surgida das suas prodigiosas mentes.
Andando pós portal chegaram a um salão, e ali fervilhou de hominídeos milimetricamente do mesmo tamanho, e Charles comparou:
- Cléo é bem diferente destes seres, por que?
- Cléo é o guardião de várias comunidades, e também tem muitas formas.
- Por que guardião num lugar perfeito como este?
- A perfeição é impossível, Charles, você conhece teoricamente sobre polaridades, como as do seu planeta: Pólo Norte, e Sul, aliás, você tem ensinado sobre negativismo e positivismo, e assim sendo, poderá deduzir que uma coisa depende da outra, e voltamos a falar novamente do equilíbrio, sem ele tudo se torna muito complicado.
- Charles, a sua visita muito nos honra, pois, ainda temos guardiões, e não é qualquer energia que tem acesso entre nós.
Ali, uma grande mesa arredondada, sobrepunha-se às outras em níveis rebaixados, e o silêncio reinante no local era incrível, não era aquele silêncio barulhento igual ao que existe em algum lugar ermo e silencioso da terra, com aquele zumbido profundo e sutil, pois, este nem aquele zumbido possuía.
Era silêncio silencioso mesmo!
Como explicar essas coisas?
Nem o próprio Charles saberia explicar o tal som silencioso.
Charles e Ignes, completaram a mesa mais alta, e a poltrona de Charles era mas ostensiva que a de Ignes, que o fez pensar:
- Serei por acaso o dirigente deste plenário?
A resposta veio com rapidez incrível:
- Se quiser, Charles, pois, hoje você é a nossa honraria!
Charles sentiu-se envergonhado com a sua atitude mental, e começou a controlar seus pensamentos.
PENSAMENTO, aqui está o painel de controle das emoções, pois, se não formos um bom piloto, jamais chegaremos ao pódio da vitória. Assim pensou Charles naqueles momentos, recordando-se das suas visões.
Nesta linha de raciocínio, chegaram lhe mais ensinamentos:
- Charles, a grande dádiva para o desenvolvimento humano é a capacidade pensante. Quando você nasceu do ventre da sua mãe, desde então pensou, e muito antes já pensava, e isto é fantástico, porém, a forma de se pensar é vital em qualquer plano que se encontre, e conforme a ocasião, seria melhor se não pensasse.
- Charles, pense mais sobre isto!
- Não deixe de controlar seus pensamentos, pois, isto constitui o verdadeiro equilíbrio!
- O ato de pensar é tão poderoso que, pode produzir o bem ou o mal, pois, ele cria projetos concretos e verdadeiros, plasmando os pensamentos.
Quando um arquiteto vai construir uma casa, ele faz projetos e depois, lá está a obra pronta e concretizada. Charles, você tem anunciado lá para os seus companheiros o ato de estar cristalino, pois, esta atitude não é exatamente o simples ato de pensar, e sim, o de controlar os pensamentos, ter domínio sobre eles, o que não é fácil, porém, possível.
- Charles, terá de no mínimo, colocar um Cléo para vigiá-lo.
- Quando você não força o seu pensamento, o seu Eu interior pensa por você!
Na profundidade meditativa daquele lugar, Charles sentiu fome, e como já estava se entendendo com a telepatia, exprimiu aquele desejo.
- Calma Charles.
- Deve controlar até esse sentimento, pois, essa sensação nada mais é que impressão palatal, deve desde já inibir seus desejos, para evitar o sofrimento, nada mais sofrível que desejar ardentemente aquilo que está longe do nosso alcance, não me refiro exatamente a sua fome, e sim aos desejos todos, nós aqui só nos alimentamos somente quando temos visitas, e isto é freqüente. Via de regra, deve optar pela qualidade, e não pela quantidade!
Charles olhando para aquela multidão, quando, sintomaticamente todos colocaram as mãos sobre a grande mesa, e dela surgiram de sob seu tampo, iguarias nunca vistas por ele, e também, apareceram uns braços, como se fossem mecânicos, e começaram a alimentar aquela população silenciosa. Nada de batidas de talheres, se bem que existissem para Charles e alguns outros em semelhantes condições, Somente para Charles, e alguns de sua estirpe, aqueles braços não funcionavam. Charles, encabulado olhou para o bracelete distraidamente, e lá estava grafado:
- Charles, pode usar os talheres, como é seu costume!
- Charles distraidamente, fugindo um pouco da ética, tentou a telepatia com outros visitantes, porém, foi advertido:
- Charles, deixe em paz seus irmãos, pois, a sua missão aqui é adversa a deles, e preste atenção, lá na terra é freqüente, quando a maioria menos avisada, porém, que não seja pela falta de aviso, mas, é uma pena que ela não esteja preparada, e não entenda nossas mensagens, deixa se influenciar por impulsos pensantes, que a afeta deturpando seu bom caminho.
- Charles preste bem atenção no que vou lhe dizer, e jamais se vanglorie disto, no que, aproveito esta oportunidade para me desculpar com nossos amados irmãos humanos - você... especificamente você, já está saindo dessa manada que só sabe pensar em conjunto, e normalmente pensa a mesma coisa, Charles vele por isso!
Isso que foi dito, não é pejorativo, é um problema somente de evolução, jamais devemos espezinhar o lar e as pessoas com quem convivemos, por isso seja humilde, Charles!
Após aquele banquete, é desnecessário dizer sobre o inigualável sabor daquela estranha alimentação, abriram-se muitos ventrículos sobre a mesa, que sugaram os restos daqueles alimentos. Um detalhe, na hora exata daquela refeição, o teto do ambiente, que era muito alto, abriu-se, e do infinito azulado, que não era o azulado que conhecemos, vinha uma música cósmica, um som muito pacificante, e tudo aquilo deixava Charles maravilhado.
Ignes levou Charles a um lugar, que existiam plantas que cresciam rapidamente, e fileiras e fileiras se formavam, e em paralelo a elas corriam enormes esteiras, e em suas bases havia fachos luzentes de raios laser que as extirpavam, e estas caiam sobre as esteiras. Pensou Charles:
- E o lixo?
Ignes lhe respondeu, levando-o até o local da reciclagem daquele lixo. Charles, olhou para tudo aquilo e ficou impressionado com aquela tecnologia, no mais absoluto silêncio.
Ignes dirige-se a Charles:
- Não se preocupe Charles, sobre a nossa tecnologia, pois, tudo aqui é muito simples, como você mesmo pode verificar. Nós aqui reaproveitamos cem por cento, enquanto vocês na terra deixam um percentual muito grande de reciclagem por concluir de seu lixo, porém, esperamos chegue o dia em que, seus irmãos cheguem a um consenso político-social, através da conscientização, e venham a reciclar não somente o lixo, mas, também as escórias dos seus pensamentos.
- Está chegando a hora. Disse-lhe Ignes.
- Ignes, gostaria muito de conhecer todo este lugar!
- Charles, você conhece todo o seu planeta?
- Não, é claro que não!
- Tem que esperar, tenha paciência.
- E como é o seu hábito, digo-lhe, adeus e que a paz o acompanhe!
Charles acordou novamente para este plano, de mais um renascer.
Olhou para todos os lados, e viu que seus colegas de prisão dormiam, pois, já era alta madrugada.
No mesmo dia, no pátio do presídio, onde tomavam sol, em conversa com Filé, pois, este falava do seu time, e que ele ganhara o jogo, etc... e depois de terem comentado sobre o jogo, Filé argumentou:
- Você dormiu um bocado de ontem para hoje, pensei que tivesse morrido, rapaz...
- E morri mesmo!
Tentando explicar a sua meditação ao jovem companheiro de cela, conversa vai, conversa vem, notou que o presídio em quase sua totalidade, estava a ouvi-lo, incluindo alguns funcionários daquela casa. Charles falou tantas coisas, respondeu tantas perguntas, quando ouviu-se o toque de recolher, e, rotineiramente todos os presos foram para seus cubículos.
No dia seguinte, chegou à sua cela, o coordenador do presídio e, mandando abrir a porta, foi dizendo:
- Charles, quero falar com você!
- Pois não, sou todo seu, senhor Róbson.
- Charles o diretor quer vê-lo, e já marcou o dia e a hora.
- De que se trata, senhor Róbson?
- Não sei, Charles, mas, imagino que você tenha falado demais nesses últimos dias, você deveria saber que, em boca fechada não entra mosca!
Passou-se uma semana, e no dia e hora marcados, lá estava Róbson:
Os pensamentos de Charles Tranqüilos, e os de Róbson, sádicos.
Róbson esperava que Charles fosse castigado por algum motivo. Seguiram os dois, corredores afora.
Chegaram, e Charles leu na porta da diretoria, : Doutor Lopércio Benjamim Lopes - Diretor.
Tam... tam... tam....
- Pode entrar!
- Com licença, doutor?
- Entre Róbson, qual é o problema?
- Eis o homem, doutor!
- Um momento Róbson, deixe-me assinar esta papelada.
Ali ficaram como duas múmias estáticas na frente do diretor.
- Pois não, Róbson, qual é o problema?
- O senhor é quem sabe do problema, eis o homem, já disse...!
- Pois bem, não se aflija Róbson...
- Sentem-se!
- Então você é o Charles, hein...!
- Sim, doutor Lopércio!
- Charles estivemos pensando muito sobre a sua conduta aqui nesta casa.
- Desculpe-me doutor Lopércio, mas, o que tenho feito de errado?
Róbson arregalou seus grandes olhos verdes, e pensou: É agora que a porca torce o rabo.
Ledo engano!
- Antes tivesse feito, Charles, certamente não estaria aqui tomando o meu tempo.
- Bem, vamos ao que interessa:
- Estamos para inaugurar uma nova biblioteca, e pensamos em colocá-la sob sua égide, talvez você se adapte, podendo mesmo vir a ser o nosso bibliotecário oficial.
Róbson quis interferir, e foi laconicamente podado pelo diretor, que disse:
- Róbson. limite-se a ouvir, e se quiser a sua opinião, peço-a!
- Charles, a inauguração será...
- Isso é uma imposição da Vossa Excelência?
- Não exatamente, pois, estamos estudando também, um prisão albergue para que você tenha uma recuperação mais confortável!
- Se não é imposição da Vossa Excelência, então peço algumas horas para pensar.
O diretor, ficou nervoso, e:
- Retirem-se, retirem-se...
De volta à cela, Róbson, hipocritamente disse:
- Não dá mesmo para entender... vocês estão no fundo do poço, e quando alguém lhes atira uma corda, vocês desprezam-na.
- Você não me diz nada, Charles?
- Você não me entenderia!
- Você, não! Dobre a língua, sou doutor, bacharel em direito, com mestrado...
- Desculpe-me doutor Róbson.
Passou-se mais uma semana, e lá vem doutor Róbson, formulando a mesma pergunta:
- Como é, Charles, aceita ou não a proposta do doutor Lopércio?
- Bem, vamos seu cabeça oca, diga o que quiser lá para o homem.
Na presença do diretor:
- Charles, pensou na minha proposta?
- Sim... doutor, porém, lamento muito, e com meus sinceros agradecimentos, não aceito!
- Por que, Charles, não aceita?
- Se Vossa Excelência me permite:
- Não somos tão ruins assim, pois, o homem é o produto do meio.
- E daí, Charles, você deve gostar de viver naquela repugnância toda, junto daqueles elementos asquerosos!
- Doutor Lopércio, com minhas desculpas, mas, aqueles elementos aos quais o senhor se referiu, talvez precisem mais de mim, do que o senhor de um bibliotecário.
- Não me leve a mal, mas, pense no que lhe direi:
- Existem, crime, e crime.
- Que diferença há de fazer, se mato ou mando matar alguém?
- No mínimo sou conivente, ou outra classificação legal, autor, co-autor... porém, na minha modesta concepção, sou mais que criminoso, pois, este crime foi engendrado, estudado, arquitetado, e outros ados. Não é possível qualquer inocência num crime desta natureza, porém, não se deixa de praticá-lo, e na maioria das vezes impunemente.
- Falarei do óbvio a Vossa Excelência, assim sendo, por favor, reflita nos crimes intencionais, são neles que residem as mais cruéis das maldades humana. A propósito, o crime do colarinho branco solapa e dizima vidas e mais vidas da face da terra, é só olharmos para nossas crianças morrendo à míngua, e de fome, sem falarmos nos jovens e velhos.
- Quanto a estar com aqueles elementos, não tem a menor importância, pois, poderemos estar em qualquer canto deste mundo, e sermos felizes, ou não.
- Na nossa mente está o maior espaço de liberdade, é só nos reportarmos à ela, e tudo será possível.
- Imaginação doutor, imaginação!
- Quanto a nossa importância, vaidosa importância, esta não passa de mera ilusão.
- Afinal o que somos?
- Não passamos de um amontoado de escórias ambulantes, impregnados de vermes a percorrer este tão valorizado universo, chamado de corpo humano.
- Quem de nós, pode garantir com segurança que não é portador de células cancerígenas, e outro tanto, em vírus?
- Creia-me doutor, eles estão incubados em todos nós!
- Somos membros da sociedade, bem como, o nosso corpo tem seus membros, e poderemos julgar um mais importante que outro. A cabeça poderá estar mais evidenciada que os demais membros, por se posicionar acima deles.
Ponto de vista, doutor.
Assim como a cabeça situa-se acima dos demais, poderá também, estar abaixo de todos, pois, a terra sendo um globo levitando no espaço em seu eixo imaginário, podemos deduzir mudanças nessas posições, e entendermos este ponto de vista.
- Se nós nos julgarmos importantes neste nosso corpo, e assumirmos uma postura orgulhosa, e soberba, somos dignos de dó.
- Simplificando, doutor, pessoas que limpam latrinas, têm a mesma importância das outras, independentemente do que estas façam, tanto do ponto de vista profissional, como humanitário.
- Valores, doutor, valores, pois, o que pode ser repugnante para um, poderá deixar de sê-lo a outro. Um magistrado pode sentir uma enorme repulsa, só em ouvir falar em latrinas, no entanto, qualquer médico cirurgião poderá se orgulhar, e até se vangloriar de uma operação intestinal, bem ou mal sucedida.
- Entendo agora seus valores, Charles, espero que seu altruísmo se concretize. Quando conversamos pela primeira vez, julguei mal o seu procedimento, e cheguei até comentar com Róbson:
- Pessoa pedante, e incompreensiva, mas, agora vejo que sua causa é nobre, e desejo-lhe muito sucesso, podendo contar comigo, naquilo que estiver ao meu alcance!
- Obrigado... doutor Lopércio!
- Posso-me retirar?
- Sim, vá com Deus!
- Acompanhe-o, Róbson!
Ao voltarem, Róbson disse:
- Se precisar de alguma coisa, pode contar comigo também, Charles.
- Grato, doutor Róbson.
- Deixe o doutor, Charles, pois, já prevalece entre nós uma certa amizade, exceto quando estivermos juntos de outras pessoas.
Lembrou-se Charles, da hipocrisia, e da miséria dos homens.
Charles foi crescendo em suas atitudes e sabedoria, até que um belo dia terminou a sua pena.
Ao se despedir de tantas pessoas ali do presídio, uma delas lhe disse:
- Não se esqueça do dia Santo de hoje.
Era Natal.
Charles, abraçando aquele que era um dos seus melhores companheiros, replicou:

SÃO

São tantos dias,
São tantos Sãos,
São tontos sons,
São Matias,
São João,
São sãos?
Virando-se, sem olhar para trás foi desaparecendo pela estrada poeirenta.

CAPÍTULO V

ASCENSÃO MATERIAL

Agora mais livre do que nunca, caminhando pelas estradas da vida, meditou: arrumarei um emprego de bóia-fria, talvez assim, não peçam documentos e nem minha folha corrida.
Pernoitando pelas rodovias, sentia-se muito feliz, nunca vira tanta liberdade, parecia que Deus lhe dera tudo aquilo, tantas terras, árvores e flores.
Numa daquelas noites, Charles apreciava o céu todo estrelado, estava deitado sobre um gramado a beira de uma estrada de terra, e lembrou-se do seu último dia em que saíra da prisão, e consequentemente do dia de Natal, e improvisou os seguintes versos:

NOEL

Renas singelas,
Gazelas aos pares,
Corsários dos ares,
E Noel voava,
Com seu trenó,
Descendo chaminés,
Tal qual a cegonha
Portando bebês.
Que vergonha!
Que dó!
Que nó!
Que engodo danado,
O velho danando,
Enganando nenens.
O comércio vendendo.
Mentes vendadas.
E Noel voava.
Dinheiro, dinheiro,
Cordeiro, cordeiro,
Lobo, e mais lobo.
Mais esta vez.
Que estupidez.
Noel não voa,
Seu bobo!

No dia seguinte, Charles seguiu em sua peregrinação, e não demorou para avistar uma fazenda, foi chegando, uma vistosa porteira semi-aberta, que o fez recordar do grande portal da residência de Bepe. Adentrou-se a ela, indo a um apresentável escritório, educadamente bateu à porta e foi atendido por uma bela jovem.
- O que deseja, senhor?
- Gostaria muito de falar com o gerente, ou administrador.
- Um momento por favor.
A moça logo voltou dizendo:
- O senhor pode entrar, sente-se por gentileza, que o senhor Asdrúbal vai atendê-lo. Após meia hora, a jovem lhe deu o sinal verde para que fosse até a sala da gerência. E para lá se foi Charles, alegre pela atenção da jovem, e até pensou: garota refinada, hein!
- Com licença senhor Asdrúbal?
- Entre e feche a porta!
- O que o senhor deseja?
- Estou a procura de trabalho, senhor...
- E o que o senhor sabe fazer?
- Sei capinar, cuidar de hortas, jardins, etc...
- No momento não estamos precisando.
- Obrigado senhor Asdrúbal, até logo.
Ao sair daquelas terras, tomou novamente aquela estrada de chão batido, e caminhou em sentido contínuo, e já havendo andado um bocado, quando surpreso, ouviu e avistou entremeando uns arbustos, alguém a soluçar, aproximando-se percebeu que, se tratava de um mancebo que chorava.
- O que lhe aconteceu, e qual o seu nome?
- Iberê é o meu nome, senhor!
- O meu é Charles, seu criado.
- Posso ajudá-lo?
- Seu Charles, como poderá me ajudar, estou nu, e muito envergonhado.
- Acalme-se Iberê, pois, tenho bem aqui na minha bolsa a tiracolo, roupas de uso pessoal, e se não fizer questão...
Charles entregou ao jovem algumas peças de suas roupas, e em suas barras foram feitas algumas dobras para que lhe servissem.
- O que estava fazendo pelado ali no mato, Iberê?
- Seu Charles, o senhor não vai acreditar, foram meus colegas lá do colégio, que me despiram, malvadeza, senhor.
- Perdi minhas aulas, meus livros e até minhas roupas.
- Você está mal de colegas, hein... Iberê!
- Mas, não ligue não, essas coisas acontecem, pois, já aconteceram comigo.
- Tiraram suas roupas, também?
- Não exatamente, malvadezas acontecem de várias maneiras e, sempre são malvadezas.
- Certa vez, era eu muito jovem ainda, mais jovem que você Iberê, e matei as aulas juntamente com alguns colegas, e fomos tomar banho num rio que cortava a minha cidade natal, e naquele dia o rio estava bufando de cheio, pois, havia chovido muito naquela região. Pois bem, ao descermos uma ladeira que dava acesso ao rio, encontramos com o leiteiro que fornecia o leite lá de casa, e sendo ele muito amigo do meu pai, foi dedurar-me (como se diz na gíria) ao velho.
- E, para que não ficassem vestígios em nossas roupas, ficamos nus, e nos divertíamos muito, quando chegou o carro da polícia, e os policiais pegaram minhas roupas e a mim também, e nos levaram à delegacia, e o que foi pior, colocaram-me numa cela junto com uma velha negra, não que carregue comigo um só resquício de racismo, mas, aquilo tudo me assustou muito, aquela senhora mendigava pelas ruas da cidade, e era alcoólatra, e, volta e meia estava presa naquela cadeia.
- Para você ver, Iberê, os fatos se repetem semelhantemente, e não tive a mesma prerrogativa sua, pois, não havia nenhuma moita para me esconder. Tudo aquilo aconteceu porque meu pai era compadre do delegado, e ambos fizeram aquilo comigo na boa intenção de me educar, apesar de agirem ilegalmente.
O garoto já conformado, conversava tranqüilamente com Charles, e ali estava se configurando uma boa amizade.
Charles se surpreendeu ao chegar a mesma fazenda do senhor Asdrúbal, adentraram-se a mesma porteira, passaram pelo pomposo escritório e chegaram à casa sede. Iberê foi entrando e chamando pelo pai:
- Papai, papai, veja o que me fizeram...
Charles sentou-se na soleira, daquela porta toda entalhada, que o fez recordar dos seus figurativos lá da prisão, a espera das suas roupas, enquanto contemplava a beleza do lugar. Após alguns segundos, apresentou-se a Charles, um senhor de cabelos brancos, alto, forte e de fino trato:
- Senhor Charles, muito prazer, eu sou Montalban, entre por obséquio.
- Com sua licença, senhor Montalban.
- Fique a vontade.
- Senhor Charles, em primeiro lugar quero lhe agradecer o favor prestado a Iberê meu filho, em segundo, convoco-o para que nos dê a honra de nos acompanhar no almoço, que já esta posto à mesa!
- Não me honre tanto, senhor Montalban, não me atreveria, pois, mal nos conhecemos.
Charles, era mesmo uma pessoa concisa, porém muito carismática.
- Isto é uma... convocação, intimação... pois, entenda como quiser, ninguém poderá fazer um favor dessa natureza e passar impunemente, pois, fazemos a maior questão que, nos honre com a sua presença!
Realmente eram dois eloqüentes cavalheiros, mas, resumindo, com tanta insistência e os entretantos, pela ajuda prestada ao garoto, Charles sentou-se à mesa com a bela família Perez, sendo a matriarca, duas filhas, e o menino Iberê.
- O que o traz por estas paragens, senhor Charles?
- Procuro trabalho, senhor Montalban!
- E... que tipo de trabalho?
- Não tenho maiores pretensões, seu Montalban, qualquer trabalho que esteja ao meu alcance.
- Sabe montar, Charles? Já mudando o tratamento pessoal para com Charles.
- Sim já montei, tempos atrás! Lembrou-se de Corisco.
- Procure Asdrúbal no escritório, amanhã de manhã, mas, está noite dormirá num dos quartos do chalé de hóspedes.
- Feito, Charles?
- Sim, senhor!
- Charles passou horas agradáveis conversando com Montalban Perez, latifundiário famoso pelas cercanias, que era também criador de cavalos de raça.
No dia seguinte, Charles foi até o escritório, e a mesma jovem o atendeu com a mesma polidez, e Asdrúbal lhe deu outra canseira, e com muito desdém, mandou-o entrar.
- Com licença, senhor Asdrúbal?
- Entre e feche a porta!
Aquele homem, parecia ter mania de porta fechada.
- O senhor de novo!
- O senhor sabe que, sou um homem muito ocupado, e sem tempo para perder?
- O senhor não me ouviu dizer que, não estamos precisando de serviçais?
- Com a sua licença, senhor Asdrúbal?
Charles, também, era muito pândego, e estava se fazendo de trouxa, perante a petulância toda daquela arrogante criatura.
- Que insistência, hein...!
- Senhor Asdrúbal, o senhor não pode me dispensar um minuto da sua atenção?
- Tá bem, desembuche logo, vai...
- O senhor deveria entender, pois, necessito muito desse trabalho, pois, estive sabendo que os senhores estão necessitando de cavaleiros para doma dos seus árabes.
- Espere um pouco... agora já é demais, primeiro o senhor entra aqui e pede para ser jardineiro ou coisa parecida, e agora entra aqui, e toma o meu tempo, e quer cavalgar nos nossos cavalos de raça, tenha a santa paciência...
Charles ouvindo todo aquele sermão, foi muito rápido, e fez uma brincadeira... presença de espírito mesmo.
- Senhor Montalban... queira me desculpar, seu Asdrúbal, preciso muito desse emprego, e estou aqui a mando do senhor Montalban Perez!
Na jogada sutil de Charles, quando Asdrúbal ouviu a palavra Montalban, ficou muito esperto, e, na defensiva esperou o resto da frase.
- Bem, agora muda de figura, o senhor está querendo me dizer que, o senhor Montalban...
- Gostei da sua perspicácia, senhor Asdrúbal!
- É exatamente isso aí, que o senhor ouviu!
- Queira me desculpar, senhor Charles.
- Pode dispensar, o senhor, pois, doravante estarei sob o seu comando senhor Asdrúbal.
Desculpas e mais desculpas, e Charles ficou montando os cavalos da fazenda, levando muitos tombos, até se tornar um grande cavaleiro, campeão de pólo, viajando por muitos países a disputar torneios, trazendo muitos lucros aos Perez e para si próprio.
Charles tornou-se uma pessoa de total confiança dos Perez, passando a ocupar o cargo de administrador geral ali da fazenda, sobrepondo ao Asdrúbal. Nesta altura dos acontecimentos, eram todos bons amigos, reinando entre eles uma grande amizade.
Charles lucrando muito com os jogos de pólo, economizou bastante dinheiro, tornando-se também um fazendeiro.
Num dia, almoçando com os Perez, como era freqüente acontecer, surpreendeu a todos:
- Vou-me embora. estou despedindo-me de todos!
Aquela gente, não podia crer em tal atitude, pois, Charles havia integrado àquela família.
- É com o coração partido, porém, é chegada a minha hora!
Todos se puseram a chorar, inclusive Charles, que com a voz embargada, falou:
Vou, mas, meu coração fica juntamente com meus mais sinceros agradecimentos.
- E vamos parar com isso, pois, voltarei sempre para visitá-los, e depois ninguém está morrendo.

CAPÍTULO VI

A FAMÍLIA

Morando agora em suas próprias terras, Charles conheceu Matilde, amaram-se e apesar de não serem tão jovens, contraíram matrimônio, e tiveram dois saudáveis e belos filhos: Mário e Mariana.
Educaram seus filhos de maneira muito especial, dedicando-se integralmente a eles, Mariana dedicou-se aos estudos da psicologia e parapsicologia, e Mário não deixou por menos, formando-se em engenharia mecânica.
Certa feita, Charles palestrava com a família, e Mário que era proprietário de uma indústria metalúrgica, exprimiu um sentimento social ao pai, dizendo:
- Papai, o que você acha, estou com a idéia de propor, e até mesmo se for o caso, colocar todos os funcionários como acionistas lá da fábrica.
- Filho, medite bastante sobre essa sua nobre intenção, pois, vou lhe contar duas histórias:
- Um senhor estéril, combinou com sua esposa em adotar um filho, e foram a sua cata, chegaram a uma família humilde e conseguiram a tal criança, um menino. Este menino cresceu tornando-se um adulto. Num belo dia, este senhor foi agraciado com uma herança, e saiu de sua casa para recebê-la, e, num determinado local, foi alvejado e morto.
- Sabe por quem, Mário?
- Estou imaginando... papai!
Pois bem, o jovem filho adotivo, havia executado o próprio pai, para roubar aquela herança.
- Bem, Mário esta é uma história, vamos a outra.
Um industrial, que havia sido muito pobre, e movido pela solidariedade, quis praticar a caridade. Comprou um caminhão novo, e como também era dono de uma metalúrgica, fabricou um tanque em aço inoxidável, e transformou tudo aquilo num caminhão pipa, e com todo o zelo, esterilizou-o. Contratou uma nutricionista, e chamou um dos seus motoristas de confiança, pedindo a este que percorresse as favelas da redondeza, e distribuísse àquelas famílias, sopas balanceadas, naturalmente, muito saborosas e nutritivas.
Na primeira semana de distribuição, enalteceram o industrial, porém, alguns dias mais tarde, aquelas mesmas pessoas, que se "beneficiavam" com aquela preciosidade, perguntaram ao motorista:
- O seu patrão não tem carne para nos mandar, não?
E alguns deles até jogavam aquela saborosa alimentação, ali, bem na frente do motorista, que ficava muito ofendido com aquele desrespeito.
- Mário... na caridade existe certa sabedoria para se praticá-la, para que ela não se torne vã. Podemos fazê-la de maneira errônea, e quebrarmos a cara, ou melhor dizendo, o carma do suposto beneficiado, trazendo sérias conseqüências de ordem espiritual, mais os dissabores materiais para ambas as partes, como se déssemos uma arma de fogo para uma criança brincar, na intenção de agradá-la.
- Mário, tudo isso, também, depende muito da boa intenção de quem a pratica!
- É... papai, a ingratidão campeia à solta!
Mariana e Mário, dialogavam muito com o velho Charles, e riam muito com a sua espirituozidade, pois, Charles era especialista em narrar história da sua própria vida, que geralmente eram muito engraçadas.
Charles nunca escondeu nada dos seus filhos, nem suas virtudes e nem tampouco seus defeitos.
Charles, até seus quinze anos de idade, tivera uma vida farta, seu pai fora um próspero comerciante, porém, daqueles de coração mole, tudo o que era dele era também dos outros, e os chupins andavam à solta, a espera de oportunidades, e talvez por isso viera a perder tudo, transformando-se num pobretão.
São as voltas que o mundo dá. Dizia Tonico.
Antonio Prado, era o seu nome, bem como, o de Charles - Charles Prado.
Tonico morava com a família num casarão, em frente a uma praça, onde juntamente com Nenê, todas as tardes, sentavam-se para apreciar seus filhos a brincar e, e era aquela algazarra toda, que os fazia felizes.

CAPÍTULO VII

AS HISTÓRIAS

Charles, muito vinculado a imagem e filosofia paternas, recordava os fatos da sua infância, como o de, Zé Galvão.
Zé Galvão, certa noite chuvosa, tomou todas, como era seu hábito, para não falarmos: do seu vício, encontrava-se caído no centro da praça, bem na direção da casa dos Prados, era na metade daquela noite fria, quando chegou Tonico, das suas preces, e das visitas que habitualmente fazia aos pobres, e deparou com aquele pacote, indo certificar-se, encontrou Galvão com o rosto coberto de sal refinado, desses que se usa na cozinha, estava com as narinas entupidas. Tonico o carregou até o casarão, desentupiu-lhe as ventas, deu-lhe um belo banho, trocou-lhe as maltrapilhas e enxovalhadas vestimentas... em suma, Zé deu muito trabalho a Tonico Prado.
Tonico levou Zé Galvão a sua despensa, ajeitou-lhe uma confortável cama como se fosse para si mesmo. Naquela despensa, Tonico guardava carvão vegetal, pois, gostava demais de cozinhar no seu fogão a carvão, e era exímio na arte culinária, com certeza somente para agradar os gastrônomos que, o rodeavam afim de vampirizar suas energias domésticas. Dito carvão era depositado dentro de uma banheira, dessas que os borracheiros usam para testar câmara de ar.
No dia seguinte, Galvão tomou um café reforçado, preparado por dona Nenê, e saiu para suas andanças.
Na hora do almoço dona Nenê, (Margarida das Dores Prado), mãe de Charles, esbravejava lá pelos lados da despensa:
- Tonico, olhe só uma coisa, com essa mania de ajudar os outros, veja só o que você me arruma!
Mostrando-lhe as mãos todas sujas. Tonico era mesmo cômico, e falou:
- Nenê lave logo essas mãos, antes que nasçam nelas alguns pés de cana.
Zé Galvão defecara sobre o monte de carvão e, dona Nenê enchera as mãos naquela imundície.
Com esses exemplos todos, herdados dos seus queridos pais, Charles sempre exortava seus ouvintes:
- Cuidado ao fazerem o bem sem olharem a quem!
- São histórias corriqueiras do nosso cotidiano, que devem ser analisadas, pois, poderão nos trazer grandes dissabores, sendo que, paulatinamente poderão se tornar insuportáveis, todas doenças viróticas começam assim, como quem não quer nada, discretamente vão solapando a saúde do seu paciente.
E lembrando sempre de frases bíblicas, já que a sua conduta era baseada no ensino eclesiástico ocidental, não poderia se basear nos vedas, um tipo de livro sagrado oriental, também acrescentava, Charles:
- Não se deve deixar o mal crescer, cortando-o pela raiz!
- NOSTALGIA, a enganosa nostalgia...
Era Charles continuando a sua exortação.
- Quem não se recorda dos seus nostálgicos passeios, numa tarde de verão, saboreando cremosos sorvetes, com estas sensações impregnadas em sua memória, nos seus primeiros dia de infância, e no privilégio daquela irresponsabilidade, do seu primeiro amor juvenil, pois, estas coisa não passam de realidades da ilusão.
Ao falar em bens passados, Charles ironizou com estas palavras:

NOSTALGIA

Nos tais agiam,
Nos tais tangiam,
Todos os ais da dor.
Nos tais floriam,
Nos tais sentiam,
Todo o aroma do amor.
Nós os tais, agíamos.
Nos tais, não tangia o amor.
Agiam nos tais,
Todos os ais da dor.

TEMPOS

Hoje, foi o ontem ou será o amanhã?
Sou o presente que hoje lhes lego!
No futuro saberão quem sou.
Hoje, passo não nego.
Ontem fomos irmãos.
Idade, idade.
Eterna idade.
Eternidade
Amanhã
Hora,
Ora!
Agora!

Charles gostava de poemas, e ao recordar de Nogueira, um lusitano da gema, desses que não tem muita afinidade com o idioma, pois, este fora seu funcionário.
Numa tarde ensolarada e florida, lá estava Nogueira debaixo de uma frondosa paineira a fazer serão, quando aproximou-se Charles sorrateiramente. Notou que Nogueira admirava a natureza, apoiado em sua enxada, quando repentinamente o gajo rolou ribanceira abaixo, parando dentro do riacho de águas límpidas, que distraidamente por ali passavam, tal qual o português em sua contemplativa meditação.
Trazia consigo, Charles, uma caderneta para suas anotações, e lembrando-se dela, pediu licença aos seus ouvintes indo buscá-la, após ter começado aquele relato.
De volta, folheou o amarfanhado livreto que, ele mesmo confeccionara, encontrando o que procurava, começou:

GAJO

Gajo olhando galhos,
Papagaios caçoando.
Gajo olhando de lado.
Aio, a enxada.
Papagaios em bando,
Vindo de banda,
Era uma banda,
Gajo apoiado,
Enxada quebrada,
Naquelas quebradas.
Roça roçando
Galhos no gajo.
Gajo coçando.
Ribanceira, rolando.
Risos e risos.
Olhos à espreita.
Odor de lírio.
Oh! dor, delírio!
Condor pousando.
Com dor assolando.
A vida é estreita.
Comédia humana!
Com média, é humana!
Sem média, é profana!
Enxada quebrada.
Papagaios caçoando.
Nas águas afogando,
Que bobeira,
Era Nogueira.
Luta renhida,
Que se tira da vida.
Na vida há morte!
Na morte há vida!
Havida na sorte.
Dor doída!
Doida dor!
Riacho ribeira.
Cerne Nogueira,
Quebraste uma haste?
Um galho, rapaz?
Tem tantas nogueiras,
Tanto fez, tanto faz,
Entre tantas,
É mais uma que cai.

Charles tinha o maior apreço por Nogueira, homem honesto e trabalhador.
Naturalmente, que Charles havia socorrido Nogueira que, ao cair ribanceira abaixo, fraturou um dos braços. E numa daquelas noites em que degustavam um vinho produzido pelo também enólogo Nogueira, Charles mostrou seus versos ao lusitano, que riu muito e disse:
- Você é mesmo um gajo canalha, e para castigá-lo vou parar com esta minha produção de vinho, que há anos venho praticando para vocês.
O português fabricava aquele vinho, com técnica apurada, pois, aprendera com seus pais, que eram vinhateiros por profissão.
Charles sempre citava um tal "Coronel", querendo com isto demonstrar a fragilidade humana, e que, pessoas bem aquinhoadas não passam de pobres farrapos humanos.
Coronel Eugênio, até então não era o, "Coronel".
Eugênio, fazendeiro, homem de muitas posses, não se sabe bem a causa, começou a perder seus bens.
Maus negócios?
Mulheres?
Má administração?
Agora sim, já era o Coronel, nos idos dos seus setenta e poucos anos sobre os ombros carcomidos, arrastando os cascos, como ironizava Tonico.
Maltrapilho e semicego, com seus olhos azuis, cobertos pela catarata, pálpebras inferiores caídas e avermelhadas, trazia em sua mão esquerda uma bengala.
Coronel Eugênio, morava com a sua única neta, garota bonita, porém, desleixada, como era de se esperar. Perambulavam pelas ruas da cidade, Zezé puxava o avô pela ponta da bengala, servindo-lhe de guia. Esmolando pelas calçadas, juntamente com a neta, que a esta altura tinha seus quinze anos de idade, e que distraidamente às vezes levava o velho por alguns buracos, que praguejando metia-lhe a bengala, porém, a sua pontaria era péssima, quando não, Zezé segurava a ponta daquela que era o seu destino, e, Eugênio muito irritado maldizia-a:
- Largue esta bengala, coisa ruim dos infernos, quero quebrar a sua cabeça!
E a moça ria muito do avô, porém, não largava o cetro do velho.
E, quando Zezé largava, por um descuido qualquer, aquele cajado comia solto, Coronel fazia estrago, acertando algum veículo estacionado, quebrando alguns vidros, e até vidraças de alguma casa que porventura fosse construída em seu caminho, e aos gritos:
- Chega aqui Zezé, quero lhe quebrar a cabeça!
- Vou deixá-lo, vovô, vou-me embora!
Coitado do avô, aí ele afinava.
- Pelo amor de Deus, não se esqueça que, eu a criei, quando da morte da sua mãe, eu o Coronel Eugênio, lhe dava mamadeiras, para matar a sua fome, e muitas vezes, troquei as suas fraldas.
Pareciam duas crianças. E no fim daquela discussão, os dois chorando se abraçavam, e Zezé passava a guiar o velho, com seu braço sobre os ombros do avô querido.
Lá vinha o Coronel.
- Bom dia, Tonico.
- Bom dia, Coronel.
- Oi Zezé, tudo bem? - Zezé se fazia de surda.
- Tonico, como está a boiada?
- Você tem cuidado dela?
- Ela tem me custado uma fortuna, Tonico!
- Sim, Coronel. está tudo bem, apesar de uma novilha ter morrido.
- Não vai me dizer que a malhada...
- Sim, Coronel, ela mesma!
Daí. Coronel desandava a chorar, feito a um bezerro desmamado.
- Tonico Prado, bico-doce, boa gente, bom negociante, um gentil cavalheiro, querendo agradar a todos, fazia aquele jogo para trazer um pouco de felicidade àquela criatura tão sofrida.
Certa vez, Tonico foi repreendido pela esposa do juiz de direito da cidade:
- Seu Antonio, o senhor deveria se envergonhar de fazer isso com esse ancião!
- Desculpe-me, madama, eu tenho sessenta anos de idade, bem vividos, e a senhora ainda é uma bela jovem, com todo o respeito.
- Contar-lhe-ei um fato:
- Um senhor muito rico, levou sua querida esposa ao médico, e chegando à consulta, disse:
- Doutor, dar-lhe-ei uma soma em dinheiro, muito grande que, se o senhor quiser, poderá deixar até de clinicar, se curar minha dileta esposa!
- Vamos examiná-la. Replicou o médico.
- Examinando-a, voltou-se ao marido e disse:
- Sua esposa está muito saudável do ponto de vista médico... não entendo a sua preocupação.
- Doutor, o problema é que, ela a cada hora, sente dores de parto.
- Amigo, não quero a sua fortuna, e se estou entendendo, deixo-lhe claro que, a sua esposa é muito feliz tendo um parto a cada hora, pois, aí está a sua maior riqueza e felicidade.
- Deduzo também que, por trás disso tudo deve ter havido um motivo, um trauma qualquer.
- Sim doutor, não gostaria de falar sobre isso!
- Está bem, mas, entenda que na pior das hipóteses, ela se realiza dessa forma, pois, a cada hora é acionado um mecanismo psíquico que lhe dá grande alívio quanto a esse trauma.
- De qualquer forma, o doutor tempo, com certeza lhe trará a cura.
- E, para finalizar esta nossa consulta, fique tranqüilo que o tempo é, indubitavelmente a resolução para todos os nossos problemas.
Aquela jovem, esposa do magistrado desconversou, retirando-se do estabelecimento comercial do seu Tonico.
Continuou Charles:
- O nosso mal é o pré-julgamento na escala de valores de cada pessoa.
- VERDADE é, sinônimo de valores, pois, cada filosofia de vida tem a sua, e esta é relativa, e nos é inteligente se, respeitarmos os valores de cada indivíduo.
- VALOR, pode ser verdadeiro ou falso, pela intenção ou pela ignorância!

CAPÍTULO VIII

A EXPOSIÇÃO

Charles se encontrava numa exposição de cavalos, onde comprava e vendia os seus cavalos. Após realizar seus negócios, foi almoçar com outros expositores, num restaurante muito requintado, um lugar convidativo para um bom papo, cercado por vidros blindados, e com a visão perfeita do exterior da rua.
O assunto se enveredou para o bem estar, sobre tudo que pode trazer felicidade.
Ao conversarem, avistaram um mendigo ajuntando latas vazias de cervejas, palitos de fósforos queimados, maços vazios de cigarros, e ao mesmo tempo em que pegava da sarjeta um palito, caia do seu braço uma tampinha de garrafa. Todo aquele trabalho por nada.
Um dos seus amigos de mesa, notando aquela cena, argumentou:
- O que é a vida... uns se divertindo e outros em sofrimentos, como aquele homem ali, todo imundo, barbudo, com certeza sem teto, e nessa chuva.
- Como pode sobreviver?
- Quem pode afirmar categoricamente que, essa criatura está sofrendo?
- Ninguém, meu amigo Gomes! Era a fala de Charles.
- Conheci uma pessoa semelhante a essa, um senhor respeitável, tabelião da minha cidade. O povo o apelidara de: Conde Fausto, esse respeitável cavalheiro foi acometido por uma infame loucura, como diriam os psiquiatras. Perambulava ele pelas ruas da cidade, agindo semelhantemente a esse senhor aí. Tomava sol e chuva e nunca mudava de roupas, e tinha tantas manias, e parecia ter certos poderes. Uma de suas manias era: Se alguém cruzasse com ele numa calçada, ele insistia em passar pelo canto, enquanto carregava seus valiosos detritos, conseguidos também, nas sarjetas da vida.
Outra mania: Se chegasse e pedisse numa casa qualquer, um prato de feijão com farinha, poderiam lhe oferecer lagosta que ele a rejeitaria.
Certa vez, eu era um jovem, e topei com Fausto, dentro do nosso quintal, alisando o Tigre, um enorme rottweiller, este animal atacava qualquer coisa, até cadela, pois, estive presenciando isso. Para se ter idéia da ferocidade daquele cão, uma vez ele escapou de casa, e atacou uma cachorra, e só não a estraçalhou, porque meu pai lhe jogou um balde de água gelada.
Esse homem, sentava-se ao meio fio da calçada, e com uma folha de laranjeira entre os lábios, solava muitos clássicos de Chopin, Bach, e outros.
- Teríamos nós tais virtudes?
- Se ele estivesse em tal sofrimento, certamente seria muito difícil para que ele executasse suas façanhas!
- Dirão vocês:
- Que besteira, de que valem tais qualidades?
- E que importância teria as nossas opiniões nos valores e conceito daquele homem?
- A mesma importância, se invertêssemos tais situações!
- Meus amigos, se um de nós pisar um prego enferrujado, certamente correrá ao médico, e no mínimo tomará uma injeção antitetânica!
- Correrá, ou não?
- Sim, é claro que sim!
- Pois bem, vi aquele homem cortar seu pé profundamente num ferro muito oxidado, pois, acreditem se quiserem, aquele pé que pisou muito barro e todo tipo de sujeira, curou-se por completo, sem um medicamento sequer.
- Agora, quem é o grande possuidor da felicidade?
- É... Charles, esta vida é um mistério!
Terminado o almoço, voltaram aos negócios, lá naquela exposição.
Após os negócios, foram para o hotel, e ali no saguão daquela estalagem, perguntaram a Charles:
- Charles o que você acha do sofrimento?
- Nós sofremos por não nos darmos conta de que, não pertencemos a este plano de matéria densa, a não ser temporariamente. Aqui é apenas mais um curso que estamos fazendo na eternidade, e que bela sorte se o completarmos, pois, não precisaremos repetir de ano, como se faz nas escolas desta vida.
- ESTADO ALTERADO DE CONSCIÊNCIA, talvez possamos usar está frase para compreendermos melhor que, existe uma maneira para se eliminar o sofrimento.
- No estado alterado de consciência está a hipnose e muito mais que isto, pois, estamos falando agora de consciência, ou seja lucidez, entendimento, sabedoria e vai por aí afora.
- Falemos um pouco da hipnose, só para começar o assunto: Você Frank, é veterinário, Mauro agrônomo, Francisco odontólogo e não vamos ficar aqui citando os demais. Quero crer perfeitamente, que todos os presente não ignorem esta palavra.
- Certo?
- Certo, Charles! Confirmou Francisco.
- Pois bem, poderemos hipnotizar qualquer pessoa que se predisponha a esta técnica, e poderá ser levada a um estado alterado de consciência, e mudando seus valores através da indução, estaremos concentrando suas energias em determinados poderes, exemplo: Sugerimos hipnoticamente que, amputaremos uma perna dessa pessoa, e que ela não sofrerá trauma e nem dor, e tudo isto acontecerá na mais perfeita ordem, contanto que esta perna necessite realmente ser amputada, e que sejamos bons hipnólogos e cirurgiões.
- Por que a medicina não usa esta técnica, Charles? - Perguntou, Frank.
- Já foi usada, mas, raramente.
- Sistema, Frank!
- Que sistema, Charles?
- O nosso sistema não tem interesse sobre certas técnicas, porém, usam-nas diuturnamente. Qualquer flash de propaganda televisiva, não é mera coincidência.
- Meus amigos, se qualquer pessoa simples, fabricasse um carro movido a água, e saísse por aí, por certo muitas coisas aconteceriam, pois, no mínimo o preço da água subiria às alturas, e outras tantas bobagens mais.
- E este alguém, com certeza estaria burlando alguma lei!
- Você parece contra o sistema, Charles? Retrucou Francisco.
- É aí que você se engana, Francisco.
- O que você diz, não parece contraditório, Charles? Agora era Aloísio.
- Pode até parecer, mas, se prestar a atenção, poderá concordar comigo. Quando falo do sistema me incluo nele, pois, tenho grande desejo em melhorá-lo, mas, não tendo elemento para tanto, me sinto incapaz. O próprio sistema diz:
O poder emana do povo. Porém, se o povo soubesse usá-lo. Eis a questão.
Tudo aquilo eram palavras, apenas palavras, pois, o guru tinha consciência que estas forças são de energias cósmicas, que interferiam ou não, nos homens, fazendo com que este planeta cumprisse seu carma, mas, entendia que, nem por isto deveria deixar de cumprir a sua missão e bem por isto, continuou o seu discurso:
- O povo segue a verdade de alguns e terá de continuar assim por muitos anos, até que uma só verdade básica se unifique, para resolução dos problemas, também básicos do ser humano. E tudo isto é conscientização, que se consegue em estado alterado de valores, pois, isto acontece inversamente no presente estado de conscientização do povo.
A exemplo dos déspotas, que reinaram nesta terra, e foram venerados como deuses, e faziam tudo arbitrariamente, através da hipnose em massa, muitos sem terem esta consciência. A humanidade tem muitos problemas a serem equacionados, a nossa vida está calcada em dois pólos eqüidistantes, dor e prazer, bem e mal, etc... Muito prazer se transforma em dor, pois, se estivermos com muito calor e revertermos a temperatura drasticamente para muitos graus abaixo de zero, certamente sofreremos de muito frio, e consequentemente morreremos.
EQUILÍBRIO, enquanto não praticarmos este maravilhoso dom que possuímos, teremos sempre que repor para um ou para outro pólo, daí a causa da dor de se ter o prazer, ou do prazer de se ter a dor.
O desequilíbrio e a exaustão, vejamos:
Um trabalhador que, normalmente trabalha seis horas diária, durante o ano todo, deixe de fazê-lo por cinco meses, este raciocínio é tão simples e lógico que se nos parece tacanho comentá-lo. Pois, este trabalhador desequilibrou o seu orçamento, de modo que, para repor suas perdas, poderá chegar a exaustão, isto para não falarmos em outras conseqüências que poderá sofrer em outros setores familiar, etc...
O nosso mundo é o que é, porque sofre do desequilíbrio ecológico e populacional, nós o povo somos iguais aos rebanhos, estamos sempre concentrados, aumentando esta concentração com explosão demográfica, estamos no meio de tantos outros, e não temos a menor chance de conhecermos uns aos outros, e por isto inventamos um passatempo, a solidão.
A explosão demográfica é a coisa mais séria do nosso plano, pois, controlar as nossas mentes e desejos não depende de ciência convencional, e nem de estudos concretos, e sim, do bom senso, ou seja da conscientização global.
A natureza cobra o preço que lhe convém, para equilibrar o planeta, dizimando vidas, através das doenças e pragas. Poderíamos cooperar com a mãe natureza, repondo a ela o que dela pegamos emprestado, pois, se não pensarmos nos que virão depois de nós, que são nos filhos e netos, ela pensará à sua maneira, e inexoravelmente cobrará.
O controle populacional é muito importante, e parece algo sublime, para que se melhore este nosso plano, porém, temos que ensinar a educação sexual, através da abstinência que é algo sublime, pois, esta abstinência sem fanatismo, poderá levar quem a pratica a um estado consciencial de compensações, pois, certamente este praticante estará compensando seus orgasmos pela elevação de outros tantos que, fluirão nas artes, ciências, no amor ao próximo, etc... Porém, também temos os meios artificiais que, amenizarão este estado de calamidade que desgraça, envergonha, e enxovalha a face da terra.
A impressão que se tem é, que estamos pregando o celibato, mas, não é absolutamente nada disso, temos que continuar a proliferação de maneira consciente, clara, dosada e equilibrada, pois, não adiantaria para a humanidade ter muitos velhos e nem muitas crianças. Tudo isto para evitar a dor, e as catástrofes, pois, se não acordarmos ela virá, a natureza virá fazer este trabalho radical, de equilibrar o planeta.
Em outras palavras, ainda não chegamos a entender que, estamos aqui como simples administradores, aliás, maus administradores, pois, não somos donos de nada, nem mesmo do ar que respiramos, pois, o possuímos emprestado, e estamos, também, nesta mesma condição.
Observem: Qualquer empreendimento deverá ser bem administrado, para se obter sucesso!
- O sistema faz parte da vida, todos os povos têm o seu sistema, até os indígenas, ele é como a própria vida, ao se iniciar um sistema, todos ajeitam os seus interesses, até que ele se globalize fortemente.
- Negócio difícil é esse de consciência! Afirmou Frank.
- Nada mal, Frank, pelo menos você está tendo esta consciência.
Esta dificuldade ainda existe, porque o fruto ainda está verde, e ela é milenar.
Nossos ancestrais tentaram, a exemplo de Jesus, Sócrates, Buda, e outros tantos, e sofreram pesadelos por quererem amainar a dor do povo.Olhem para mais este exemplo banal e corriqueiro, mais velho que andar para frente: Uma pessoa com muita grana, projeta para si uma vida grandiosa, contrai matrimônio com a musa dos seus sonhos e, desejando ter muitos filhos vai à luta, e consegue o seu intento. Com o passar do tempo, vem as oscilações cíclicas desta vida, e esta pessoa perde seus bens materiais, porém, lhe resta uma prole bem grande.
- Será que este homem foi sensato?
Assim é a humanidade, rebanho inconseqüente!
O povo precisa de distrações para continuar sendo povo!
Desde os primórdios da humanidade, se fabrica lazer. Nero botava cristãos para os leões, e também escravos, para serem devorados, com uma prerrogativa armando-os com varapaus, para o delírio...
- Delírio de quem?
- Do povo!
- Agora meus amigos, vocês querem que eu chame este nosso sistema de que?
- Verdadeiro, ou hipócrita?
- Será que existe uma maneira mais inteligente para todo esse sistema, Charles?
- Desculpe-me, Mauro, mas, pensar que não, seria medíocre! - Retrucou Frank..
E, ali começaram a discutir o sistema, todos eles querendo aperfeiçoá-lo.
E Mauro quase que tinha razão, o fruto estava, e continua muito verde, já passamos por milênios, e nos encontramos ainda no estágio em que, estamos!
Existem hoje, como há milênios, igrejas, teatros, certames e aparatos para chamar a atenção do povo, distração no sentido literal da palavra, mesmo para que ele não conheça o dito poder, que dizem emanar dele. Está aí a chave do engodo!
Há jogo tão importante para o sistema que, ele paga "verdadeiras fortunas" aos seu gladiadores, pois, qualquer piloto de fórmula, x ou y, que porventura encabeçasse uma greve com a adesão dos seus companheiros, causaria um grande prejuízo às suas equipes e seus patrocinadores, envolvendo o sistema global de vários países. Somente o dinheiro que se dá para um lutador campeão de boxe, em apenas uma só luta, que pode durar alguns segundos, salvaria muitas vidas que morrem de fome.
Que vergonha, que indignidade é ainda este sistema!
Não sou contra o esporte, lazer, religião, mas, se seus respectivos líderes fossem um pouco mais conscientes, este nosso velho mundo estaria bem melhor.
- Você está sendo novamente redundante, Charles! Afirmou Mauro.
- Que importância tem a redundância, sendo que, acabei de lhes falar que estas coisas são mais velhas que andar para frente, talvez... esteja sendo pleonástico, querendo com isto fixar realmente uma verdade, que insistimos em esquecê-la, pois, esta verdade é uma marreta a marretar a nossa consciência, parecendo ser bem mais leve que a nossa burrice.
- E por isto, somos povo!
- Não é preciso ofender, né…, Charle. Falou Aloísio.
- Desculpe-me, tudo o que disse não tem a menor intenção de ofendê-los.
- Continue, Charles, por favor! Ouviu-se a voz grave de Francisco.
- Já falei muito, vocês não acham?
- Vá falando, continue… Agora era Clóvis que pouco se manifestava.
- Poderíamos ser deuses! Continuava Charles.
- Podem crer! Estamos tratando de compensações, pois, não nos iludamos com a bondade, suposta bondade, se dermos alguma ajuda para alguém, não sejamos hipócritas, tenhamos a sabedoria que pela lei do retorno receberemos o troco, bem como, não devemos ajudar com o propósito de receber, pois, é outra burrice, pois, nesta intenção já estamos recebendo. Sejamos leais em tudo o que fizermos, e façamos com alegria e boa vontade, crendo piamente em nossas verdades.
- VERDADE, é verdade, não podemos ter a nossa verdade! Afirmou Frank.
- Valor, Frank, valor...
- Que valor, Charles...? - Já vem você sofismando em cima das palavras...
- Não se trata de sofisma, pois, creio eu nas minhas verdades, minhas... porque as adotei, fazendo uma seleção delas, e adequei a menos sofismável para o meu caso em particular.
- Pois bem, uma mulher corria do marido, que com uma faca, queria esfaqueá-la, numa porta de uma residência estava uma senhora, pessoa íntegra e muito religiosa, e não se faz necessário dizer mais nada desta, para se concluir a sua veracidade. Aquela que desesperadamente corria do marido, em rápidas pinceladas explicou e pediu a outra que a escondesse. A senhora íntegra, movida de compaixão escondeu-a. Logo aparece o marido, que vindo bater àquela porta, e sendo atendido pela religiosa senhora, fez a seguinte pergunta:
- A senhora viu por aqui, minha esposa, etc... etc...
Aquela senhora íntegra, verdadeira e religiosa, disse cinicamente:
- Não meu bom senhor, não a vi!
- E agora Frank, o que me diz sobre a verdade?
Todos ficaram pensativos, porém, sem proferirem qualquer palavra, conquanto, Charles continuava no cumprimento da sua gloriosa missão, a de doutrinar, ensinando o bom caminho que os livraria do sofrimento.
- Temos de crer nos nossos atos, mesmo sabendo; serem inevitáveis neles imperfeições, porém, jamais devemos por omissão desconhecê-las.
- Charles, é incrível como você acha tempos para tais assuntos, sendo você um grande expositor de animais e com tantos afazeres nos seus negócios.
- Digamos, que este seja meu lazer.
- Aloísio, se você fizer do seu trabalho, o seu lazer, obterá dele um sucesso bem maior, e sofrerá quase nada, pois, aí implicará o seu amor.
- Agora você está brincando com o amor?
- Sim, Aloísio, não diria brincando, posto que, minha intenção é ser o mais verossímil que puder, chamemos estas palavras de metáforas.
- Pensemos um pouco, se aquele homem dissesse à piedosa mulher: Quero tirar sutilmente a vida da minha amada, e querida esposa, pois, tenho nela o maior amor deste mundo, etc... etc...
- Que verdade amorosa, seria esta, Aloísio?
A hora estava avançada, e aqueles homens conversavam avidamente, porém, Charles concluiu:
- Vamos dormir, pessoal!
- Charles, você é desajeitado e muito feio, para nos convidar para dormir. Disse um deles.
- Ainda bem, já pensaram no assédio, se eu não fosse tudo isso?
Risos...
Naquele resto de noite, Charles escreveu uns versos, e no dia seguinte distribuiu aos seus amigos de pernoite.
Seus versos eram:

MANOS

Humano verde,
Deveras, verá,
Maturidade.
Húmus será!
Nova vida,
Novidade,
Eternidade.
Et`cétera
E tal,
Total!

HUMANOS

Humanos manos,
Só mais uns anos,
Seremos unos.
Nos subsolos
Estaremos sós,
Nem sóis,
Nem colos.
Pós-humanos,
Etéreos planos,
Neste abandono,
Nossos orgulhos,
Nestes mergulhos,
Unificados,
Seremos pós voando,
Gaseificados.
Vozes humanas,
Nós humanos,
Somos irmãos
Desde antanho,
Fomos estranhos,
Porém, agora
Nestas entranhas,
Vamos embora,
Seremos bons!

VIDA

És quase água.
És tudo, és nada.
Se és água, és vida!
És sempre viva.
Às vezes, és chaga.
Nas águas, nadas.
Nos vôos, és livre,
Estás em tudo,
Sempre afinada,
Nas profundezas,
Oh! Que beleza!
Etérea praga.
Somente vida,
Semente vinda.
Será do nada?
Danada lida,
Sempre bem-vinda.
Bem estudada,
Lida, a lida.
Viva na mente,
Entre mente e ente,
Desmente a morte,
Pois, esta não tem
Nenhum sentido,
Porém, sentida
Na linda vida
Deste alguém.

CAPÍTULO IX

A VIAGEM

Charles e seu filho Mário, viajavam a negócios, a uma das capitais do país, e numa das grandes avenidas movimentadas, reparou Charles, num senhor de pasta na mão esquerda, terno e gravata, imaginou tratar-se de um executivo, enquanto Mário dirigia o carro, o movimento do veículo era muito lento, devido a algum engarrafamento, coisas de megalópoles. Continuou olhando para aquele senhor, que andava na mesma velocidade do automóvel, e em paralelo. Comentou com o filho:
- Mário, deve ser horrível usar terno e gravata todos os dias, não?
- Sim papai, tenho ojeriza por gravata, usá-la às vezes é necessário. Fazer o que?
- O naturismo está em voga agora, pai.
- Naturismo?
- Seria... algum tipo de nudismo, meu filho?
- Sim, mas, com alguns conceitos!
- Pode ser uma boa coisa, Mário, quem sabe se, não tiraria algumas rebarbas de malícia de nossas mentes. Nossos pais nos ensinaram algumas coisas do gênero, porém, com muita retração e vergonha, posto que, a religião neste particular muito cooperou, abrangendo, e muito, as famílias de todo o mundo, com raras exceções. Os religiosos, como já falamos, guardada as devidas proporções, ensinaram que é algo melindroso, e proibitivo, aproximando-se do pecado. Porém, estes mesmos religiosos chegam a ser contra o controle da natalidade, e nesta aberração, paradoxalmente continuam a pregar a abstinência.
Bem, ou se controla a natalidade de uma forma ou de outra, ou continuaremos à mercê das forças cósmicas, e sentindo na pele seus estragos, como: crimes, pestes, misérias, etc... É melhor controlar antes, evitando os "filhos", que depois mandá-los às guerras, para se controlar a explosão demográfica.
- No tocante a este assunto, deveríamos retroceder às tribos indígenas, e aí sim, tomaríamos um banho destas lições.
Continuava a olhar o suposto executivo, aquele senhor grisalho tinha a expressão de muitas preocupações, andava rápido por entre os respingos de uma chuva fina, quando... repentinamente, aquele homem foi em direção à uma porta de vidros, de um majestoso edifício. Momentaneamente, Charles ficou sem entender, pois, o executivo chocou-se com aquela coisa invisível, ou melhor, transparente, projetando-se à calçada sobre algumas poças de d`águas. Charles e Mário riam tanto que lhes doíam as barrigas, e até choravam de tanto rir. Charles olhando de chofre, notou que ninguém se importava com aquele corpo estendido no chão, então pediu:
- Pare o carro meu filho!
Mário parou o veículo, e foram até aquele senhor, que estava com o rosto todo ensangüentado, com aquela trombada que deu com aquela porta invisível, seus óculos quebraram-se, retalhando seus olhos e rosto. Charles, naquelas frações de segundo, meditou sobre o vidro blindado:
Que coisa sensacional é o vidro, é tão antigo, e... quase ninguém percebe sua capacidade etérica do ponto de vista da visão, e murmurou:
- Como pode, um aglomerado de moléculas de areia, denso e homogêneo, quase que inviolável, ser transparente?
- O espírito materializado não seria algo semelhante? Rumorejou o velho mestre, Charles.
Aquele espectro do nada, perturbou a inteligência daquele executivo.
Carregaram o malfadado executivo, colocando-o no banco traseiro do carro, foram indagando sobre a existência de um pronto-socorro mais próximo, até que um guarda de trânsito, muito gentilmente indicou-lhes um hospital. Chegando ao hospital, Charles procurou a recepção, uma jovem o atendeu com pouca vontade, enquanto uma enfermeira socorria a vítima dos vidros, e Charles perguntou:
- Por fineza... qual é o seu nome?
- Márcia! Respondeu secamente.
- Senhorita Márcia, podemos ir embora?
- Não... senhor! Respondeu laconicamente a jovem burocrata.
- O senhor terá que assinar o Boletim de Ocorrência!
Esperando em pé, naquele lugar entupido de enfermos, comentou com Mário:
- Veja só, Mário o que pode fazer um amontoado de areia.
- Não entendi, por que um amontoado de areia?
Neste caso é a seqüência que trouxe a conseqüência, areia - vidros - porta - óculos - oculista - médico, etc... Estive me informando com a enfermeira, sobre o estado de saúde da pessoa que socorremos:
- Douglas é seu nome, profissão, médico e proprietário de uma ótica, e o seu estado de saúde não é preocupante.
- Veja Mário, ele foi vítima dos seus próprios vidros.
- Ironia da vida! Falou Charles
- Ironia da vítima. Brincou Mário.
Enquanto dialogavam, chega um policial, e chamando-os, começou a inquirição.
- Os senhores estão juntos?
- Sim, este é meu filho Mário!
- Quem socorreu a vítima?
- Nós a socorremos!
- Qual o local do acidente?
- Senhor Barros ( era Charles lendo o crachá do policial ) nós somos do interior e não sabemos exatamente onde estávamos, apenas passávamos pelo local.
- Os senhores não deviam andar por aí aleatoriamente, principalmente sendo os senhores do interior!
- Soldado, estamos aqui desde as quinze horas e como o senhor pode bem ver, já são dezessete horas, nós estamos apenas dando um apoio à vítima que, nem sequer sabemos quem seja.
- Não estão fazendo mais que obrigação!
- E depois, essa conversa ouço a toda hora, vamos a o que interessa!
- Mário não suportando mais a petulância daquele ser humano fardado de policial, tomou o partido do pai:
- Soldado, com licença...
- Hein... o senhor está atrapalhando o meu serviço!
- E você soldado, não está sendo educado para com o público que paga o seu soldo!
- Veja como o senhor fala, isso eu posso considerar como, desacato à autoridade!
- Está bem, soldado Barros, vamos resolver isto aqui numa boa, temos ainda de procurar um hotel, além do que, estamos famintos e cansados.
- São problemas dos senhores, se estão cansados, se querem dormir, ou seja lá o que for, não me diz respeito. Além do mais, vocês do interior não deveriam se meter em cidade grande!
Suportavam aquele soldado, com muita paciência, porém, o tempo urgia.
Mário foi novamente até o P.M., e educadamente perguntou:
- Soldado Barros, poderia nos dispensar, pois, meu pai já assinou o B.O.
- O senhor é mesmo chato, hein...
- E agora, isso é desacato a quem, soldado?
E naquele momento, Mário lembrou-se da fina educação com que aquele guarda de trânsito os trataram, e pensou:
- Por que os seres humanos têm que ser tão diferentes uns dos outros?
- O senhor como cidadão bem informado, deveria saber que o doutor delegado tem que despachar o B.O.
- Onde fica o delegado?
- O senhor parece querer me ensinar o serviço?
Charles e seu filho estavam experimentando seus dotes de paciência, sem deixarem o sarcasmo que estava para vir.
Mário informou-se com um funcionário do hospital, onde ficava a delegacia de polícia e esta distava à cem metros do local.
Mário chegou até o pai e:
- Pai o que acha de procurarmos o delegado?
- Vamos lá filho!
Ao passarem pelo pátio da delegacia, viram um tenente, que aplicava ordem unida à sua tropa. Mário teve a idéia de conversar com aquele oficial e comentou com o pai:
- Vamos falar com aquele tenente papai?
- Vamos até o delegado, se for o caso, voltaremos e falaremos com o tenente.
Charles era mesmo um rábula, pois, conhecia razoavelmente o código, seus direitos e obrigações estando bem atualizado em seus negócios e transações legais, e isto o obrigava a conhecer as leis.
- Virou-se para Mário, e disse:
- Meu filho a lei é constituída de perspicácia e bom senso!
- Pai, você está certo.
- Chegaram até o gabinete do delegado, e Mário tomou a frente, e com a maior delicadeza tentou um diálogo com o delegado:
- Com licença, doutor?
O delegado, olhando por baixo, entre as sobrancelhas e os óculos, e de cenho franzido, dando uma grave e breve pausa, respondeu:
- Não dou licença, aguardem que estou ocupado!
Charles olhou firmemente ao filho e:
- Mário já é hora de interrompermos essas humilhações, vamos até o tenente.
Voltaram até o pátio da ordem unida, e lá estava o tenente e a sua tropa, era véspera de um dia comemorativo, e Charles lembrou-se da: Independência ou Morte! E riu, e Mário ficou curioso sobre o riso do pai, mas, o tempo não foi suficiente para as explicativas, pois, já se aproximavam do tenente.
- Com licença, tenente?
- Unidade, dessscansssaaarrr!
- Pois não, senhor.
- Meu nome é Charles, e este é Mário!
- Muito prazer, Pacheco!
- Em que posso servi-los?
- Com a sua licença, gostaríamos muito de falar com o comandante!
- Seria somente com ele?
- Se isso for possível, sim!
- Então, vamos até ele.
Chegaram até a sala do comandante:
- Com licença coronel Bezerra?
- Sim, tenente!
- Estes senhores desejam lhe falar, coronel!
E ali ficaram os quatro, e foi explicado tim-tim por tim-tim, tudo em seus por menores. O coronel ficou repugnado com aquela história, e meio irritado, ordenou ao tenente:
- Acompanhe-os até o Sérgio, que depois converso com ele, e não se esqueça de duas coisas, leve o Barros com vocês e permaneçam lá até a resolução deste caso!
- Coronel, e a tropa?
- Ordene a Santiago que tome a sua posição!
Santiago era o primeiro sargento daquele batalhão.
- Perdoe-me coronel, mas...
- Pacheco, não é necessário lhe dizer que isto é uma ordem!
- Sim, coronel, com licença?
Batendo a costumeira continência, enquanto Charles e Mário agradeciam a atenção do coronel Bezerra.
No gabinete do delegado:
- Com licença, doutor Sérgio?
- O que é isso?
- Por que você não trouxe a tropa também, Pacheco?
- Olhe o respeito, doutor Sérgio, a minha tropa não é de meliantes inaptos, e sim de militantes que tem o dever de manter a ordem!
- Falando sério, Sérgio, me desculpe, mas, você vai ter que se entender lá com o coronel Bezerra.
- Sabe o que ele me disse?
- Isto é uma ordem!
- Sabe o que lhe respondi?
O delegado concluiu o raciocínio do tenente:
- Sim, senhor coronel ... o senhor manda!
- E o que você poderia responder, Pacheco?
- E daí Pacheco?
- É para você ouvir esses senhores e dispensá-los!
Daí o delegado perdeu a esportividade, e:
- Vocês todos são muito gozados, o delegado aqui sou eu, e são vocês todos que querem me dar ordens!
- Sérgio, como você mesmo tirou uma casquinha da minha cara, dizendo que, eu só cumpro ordens, pois, então...?
E naquele tratamento íntimo entre o delegado e aquele oficial, o bacharel cometeu a burrice ao dizer:
- Senhores não confundam o nosso tratamento, pois, Pacheco é o tenente Pacheco, e Sérgio é o delegado, doutor Sérgio!
Charles pensou, que palhaçada, sabendo de antemão o fim daquele episódio.
Mário esboçou um sorriso, e o delegado não gostando nada daquilo, bradou:
- Sou algum palhaço, e por acaso fiz alguma graça? Dirigindo seu olhar a Mário.
- Desculpe-me doutor Sérgio, mas, isto aqui está parecendo uma comédia, pois, há horas estamos tentando resolver uma simples ocorrência policial, já poderíamos estar em nossos lares cuidando de alguma coisa bem mais interessante. Disse Charles.
- Documentos... documentos! Pediu energicamente o delegado.
Naquela averiguação toda, o delegado percebeu que havia pisado na bola, ao ler que Mário, além de engenheiro, era Ph.D. em mecânica, bem como; capitão da reserva do exército.
Meio insípido e sem querer perder o rebolado, chamou Barros e:
- Barros, bata continência ao capitão Mário!
- Mas... como?
- Isto tudo é para você aprender a pedir documentos às pessoas, quando fizer uma ocorrência.
- Barros, você tem que identificar as pessoas para que não passemos por estes vexames!
- Mas, doutor o senhor também....
- Cale a boca e bata a continência!
Barros, olhando para o tenente, que com cara de safado, acenou com um gesto sutil para que Barros cumprisse a ordem do delegado.
- Sim senhor!
Batendo a continência, meio assustado, quis fazer uma apresentação militar, foi interrompido por Mário:
- Não é necessário, já o estou conhecendo, Barros.
Continuou o delegado:
- Hoje estamos tendo uma lição e tanto!
- O Homem é excelentíssimo, pois, em seu currículo se apresenta um doutorado em mecânica.
- E você tenente Pacheco, não chega junto?
- Sim, com todo o respeito!
Pacheco era um gozador de primeira, apesar de muito humano, bateu a continência em reverência ao capitão Mário.
- Vamos parar com isso, estamos em lugar coberto, e nossas atitudes estão sendo degradantes. Era Mário respondendo à continência.
Charles ria muito, e abanando a cabeça pensava: Essas Crianças...
- E você Sérgio... não vai tratá-lo de doutor?
Neste exato momento entra o coronel Bezerra:
- Então, o problema está resolvido, senhores?
- E agora o capitão Mário, não vai bater continência? Pergunta o delegado.
- Sim, com a maior honra se não estivesse à paisano!
O tenente Pacheco se retirou acompanhando o coronel, e dizendo em voz alta e de bom tom:
- Coronel, tenho algumas coisas muito engraçadas para contar a Vossa Senhoria.
Fazendo outra chacota, pois, era ciente que Excelência usa-se para cargos acima de coronel.
Estando tudo resolvido, e já no carro a procura de um hotel, Charles comentou com Mário:
- Conheci um delegado e um dentista, e o dentista ao se dirigir ao delegado não o tratou pelo título de doutor, e foi repreendido desta forma:
- Vergueiro não senhor!
- Doutor Vergueiro!
- Desculpe-me doutor Vergueiro, disse-lhe o dentista que se chamava Vergão.
Até parece piegas, mas, eram estes os seus nomes.
Com o registro geral do dentista, em mãos, o delegado dirigiu-se a Vergão:
Seu Vergão, tal coisa e tal… Aí foi a vez de Vergão:
- Seu Vergão não, doutor Vergão, pois, assim fica melhor pessoa tão exigente como a sua!
- Sou formado etc…, etc…
Mário, abreviei este fato, pois, nele não há muita novidade.

CAPÍTULO X

O COMENDADOR

Sentado, no alpendre juntamente com a família e uns amigos, Charles narrou mais um acontecimento que se passou com ele:
Certo dia, fui cobrar uma duplicata para Montalban, contra a um comendador, pois, já éramos conhecidos de outras cobranças, que já havia feito contra ele mesmo. Chegando à porta do escritório do comendador, notei que ali se encontravam algumas pessoas, e discretamente acenei para ele, pelo lado de fora, cumprimentando-o.
Esperei um tempão, até que esvaziou o escritório do comendador Gregório, que me chamou para entrar. Logo que adentrei a porta, ele a fechou, e muito nervoso abriu o cofre, e pegando um revólver jogou-o sobre a escrivaninha e despejou.:
- Hoje mato um desgraçado, estou de saco cheio!
- Olhei para ele com uma calma, que nunca imaginei existisse em mim e, dirigi-lhe a palavra:
- Comendador Gregório, sou apenas um empregado, voltarei uma outra hora em que o senhor esteja calmo, porém, peço-lhe que pondere, pois, comendador é comendador!
Rispidamente, marcou o dia e a hora.
Expliquei tudo o que havia acontecido, a Montalban, que de pronto me falou:
- Mande um funcionário para resolver esse problema, saia fora desse camarada.
Respondi a Montalban, que aquela cobrança para mim era uma questão de honra, de mais a mais, já havia marcado o dia e a hora do novo encontro.
No dia e hora marcados, lá estava eu e minha pontualidade britânica.
- Bom dia, comendador Gregório.
- Bom dia Charles, entre por favor.
- Não me fale nada, Charles, quero lhe pedir desculpas, porque, eu estava muito nervoso naquele dia, e com sérios problemas... Fui grosseiro com você, pois, estavam aqui alguns fiscais do estado, e tentavam me extorquir, justamente naquele momento.
- Bem, Charles, falemos de coisas belas deixemos estes assuntos para os corruptos.
Este comendador trabalhava no ramo de móveis, sendo um próspero industrial.
- Charles, você me faria um favor?
- Sim, se estiver ao meu alcance!
- Leve isto ao banco tal, e efetue seu respectivo depósito e fico-lhe devendo este favor, além, daquele vergonhoso desacato.
- Peguei tudo efetuei o depósito, entregando-lhe o recibo e, ele não parava de se retratar.
O comendador efetuou o pagamento daquela duplicata, talvez, o pivô daquela situação esdrúxula, e foi me falando:
- Estou sabendo que vocês estão com problemas nas instalações elétricas lá da fazenda, pois, quero que você esteja aqui tal dia!
- Você virá?
- Se Deus me permitir, estarei aqui!
- Voltei novamente, e o comendador já estava me esperando, todo engravatado.
- Charles, que bom que você veio, vamos dar um passeio.
Neste exato momento entra Matilde e Mariana.
- Venham, juntem-se a nós, para ouvirem uma pequena história da minha vida, acheguem-se!
Recomeçando a narrativa, Matilde brincou:
- De novo Charles, essa mesma história... você já me contou mil vezes.
- É claro, Matilde, pois, só me deito com você e... não tendo outra coisa para fazer, carinhosamente lhe conto histórias.
Os filhos riram da brincadeira, e o pai continuou:
- Sabem onde aquele homem me levou?
- Levou-me até o palácio do governo, cujo lugar era pomposo, salões acarpetados, revestimentos em mármores e granitos, móveis em madeiras de lei, obras de arte, etc... Passamos por ambientes onde se recebem reis, rainhas, ministro de estado, ali convivendo com tantas etiquetas, chegamos ao gabinete do Chefe da Casa Civil.
Gregório me apresentou a Sua Excelência o doutor Pelegrino, conversamos assuntos maravilhosos sobre ocultismo, reencarnação, e vai por aí afora, eram eles espíritas, e brincavam entre si, chamando um ao outro de: Irmão Sofredor.
- Aquele papo foi longo, e com muita mordomia, pois, a todo instante vinham uns mordomos a nos oferecer bebidas de todas as qualidades. No final daquela visita, o doutor Pelegrino pegou um papel ofício, com o brasão do estado e timbre em alto relevo, e fez a pergunta:
- O que era mesmo, Gregório... sobre a rede elétrica...
- Sim, sobre...
- Já sei, já sei!
Aquela humilde pessoa começou a escrever naquele ofício com o próprio punho.
- Entregando-me aquele ofício, me mandou falar com o manda-chuva da companhia de eletricidade. Depois daquela visita fomos até onde se encontrava o meu carro, despedindo-me do comendador, e mais uma vez lembrei-me dos lírios dos campos.
- Chegando à fazenda, lá vinha Montalban preocupado, e foi logo me perguntando:
- E aí rapaz, tudo bem lá com o comendador maluco?
- Já estava preocupado com a sua demora!
- Em tom de brincadeira, falei:
- Não é todo dia, em que um caipira como eu, fala com o governo do estado, está certo que são pessoas muito assíduas e ocupadas, mas, convenhamos, existem suas exceções.
- Como é?
- Não entendi nada!
- Pois entenderá, tome este oficio.
Montalban insistiu em saber como aquele papel do governo veio parar nas minhas mãos, porém, nunca lhe contei o ocorrido.
Após se passarem alguns dias, chegaram os caminhões, e os homens da usina de luz e força, como eram chamados, fizeram um servição, botando toda rede elétrica na mais perfeita ordem.
De quando em quando, Montalban brincava:
- Lá vem o homem do governador!
Meus amores, talvez aquele comendador boa praça, foi forçado àquela situação, para que ocorresse aquele benefício elétrico, que fez a felicidade de muitas famílias de camponeses ali da fazenda. Há males que vem para o bem. Deus escreve direito por linhas tortas. E, nós não passamos de argila nas mãos do oleiro.
Nos nossos pensamentos estão as mais concretas formas sutis, e refinadas da criação humana, pois, criamos situações concretas, tão concretas como pedra, porém, estamos aqui tratando de diferentes dimensões que, esta criação plasmada se materializa nesta nossa densa dimensão.

CAPÍTULO XI

AS REUNIÕES

Almoçando com a família, Charles expressou a sua felicidade:
- Quero dizer a vocês, que estou muito feliz com a família que formamos, a nossa vida tem sido muito satisfatória, pois, creio que nesta passagem por mais este estágio, estivemos, e estamos aprendendo bastante, posto que, é o que mais nos interessa, pois, este aprendizado é maior que todos os bens desta vida, sem dúvida, levaremos conosco estes ensinos.
- E quero aproveitar para lhes pedir desculpas por ter sido tão prolixo, e cansativo, e ao mesmo tempo agradecer a paciência e educação com que vocês sempre me ouviram.
- O que é isso papai, isso muito nos ofende!
- Não fale assim, papai. Completou Mariana.
Charles orgulhava-se muito de Mariana, uma pessoa bela no seu físico, bem como no seu interior, ela era desvencilhada dos bens materiais, sendo muito ligada à introspeção, porém, por pura opção de consciência, não sendo por nenhum motivo traumático, ou frustrante.
Mariana, pessoa extremamente carismática, e sempre solicitada pelos amigos, era uma conselheira nata, dessas que trazem em seu bojo espiritual e cármico, dons... enfim dessas que nascem assim, virtuoso do bem etérico.
Ninguém sabia explicar tal fascínio, que exercia sobre as pessoas que dela se aproximavam. Dava-se a impressão de estar na frente dos outros, com sua maneira de vaticinar o futuro. Às vezes em conversa, e sem destoar o assunto e sem perder a linha de raciocínio, dizia ela, coisas que tocavam profundamente seus interlocutores, como se soubesse perfeitamente a resolução dos seus problemas, falava com uma sutileza profunda, de modo que o ouvinte teria também, que ser sutil para se aperceber o que estava se passando.
Às vezes gosta-se de alguém pela simpatia, porém, sem notar o bem sutil que esta pessoa está praticando, apenas se diz:
- Que pessoa legal!
- Que pessoa simpática!
- Eu gosto dessa pessoa!
- Que pessoa carismática!
- Identifico-me com fulano!
- Amor à primeira vista.
Todas estas frases, são repetidas a todo momento, por muitas pessoas, mas, sem saberem o grande motivo desta sutileza.
Matilde era uma Santa, zelosa, cuidava dos gatos, cachorros, onças, leões, e o que lhe aparecesse pela frente, tinha uma afinidade tão grande com os animais que, até deixava Charles meditabundo, pois, a sua casa era um verdadeiro zoológico.
Certa vez, lá estava Matilde no meio do pasto a acariciar um miura, um touro bravio, que a ela nada fazia. Charles ficou apreensivo com aquilo, porém, sem saber explicar aquela capacidade taurina da querida esposa.
Charles e Matilde estavam envelhecendo, mas, ambos afirmavam que, nunca tinham sido tão felizes como naqueles momentos de maturidade, pois, já não tinham os mais cruéis dos sofrimentos humano: Sentimentos de culpa, ambição, ódio, inveja, porfias, ciúmes, e principalmente o da concorrência, este é desagradável, não deixando a pessoa admitir que é "perdedora". Na concorrência entre os irmãos Caim e Abel, qualquer religioso sabe o final deste episódio, assim como milhares de outros.
Citavam outros exemplos, admoestando-os para uma concorrência sadia, participando dela, porém como se ela não existisse, sem sofrer ou provocar prejuízos, eliminando assim o sofrimento, obedecendo a ética e não expondo, apenas observando com lisura este jogo.
Charles sempre repisava a velha frase de Bepe:
- Não precisamos de quase nada para sermos felizes, apenas aquelas coisas básicas, bastando para isso, olharmos os lírios dos campos.
Charles podia falar com conhecimento de causa, pois, vivera isto na prática.
Parafraseava sempre seu velho pai, Tonico:
- Charles meu filho, você tem visto a vida do seu velho pai, na concorrência dos seus dias.
- Sabe o que seu velho conseguiu nos seus dias de trabalho?
- Ensaquei muita fumaça, e corri atrás do vento ganhando muita canseira, mas, valeu a pena, aprendi muito.
Tonico também dizia, a vida deve ser composta de ricos e pobres, pois, a utopia salvadora do comunismo, democracia, liberalismo, etc... Ou qualquer outro rótulo, não eram, senão um meio de continuarem os poderes e a plebe.
A natureza nos fez diferentes, apenas congruentes para provar a grandeza divina, pois, nem as pontas dos nossos dedos são iguais, fato notório sobre nossas impressões digitais.
Como um dia, dissera Charles:
- Pródiga é a natureza!
E nesta mesma linha de pensamento, Charles tecia comparações:
- Ao se olhar uma árvore, e ao analisá-la, nota-se que nela nada se iguala, suas folhas não são exatamente iguais nos seus formatos e dimensões, bem como, seus frutos, e assim por diante, porém, nada se compara a sua beleza e utilidade.
Um arquiteto esquadrinha e planeja um edifício e depois de tudo pronto passa ele a admirar a sua obra, sua prumada, esquadrejamento, acabamento impecável, tudo isso na ótica arquitetônica.
O que não aconteceria na visão de um microbiologista, pois, ao ver o vinco perfeito, no encontro de duas paredes, este veria nele enormes crateras disforme.
Voltando-se à visão do ecologista, já a árvore encontra-se fora de prumo, consequentemente desnivelada, sem esquadrejamento e está sempre a resistir as rajadas de vento, as tempestades, e até a fúria do homem que teima em destruí-la. Indubitavelmente ela é mais bonita e perfeita que qualquer edifício feito pelas mãos humanas.
Charles também, comparou o homem com o prédio, dizia ele que a natureza nos criou a nosso ver macroscópico de maneira estranha, tal qual a árvore, tal qual a montanha, etc... Pois, ao analisarmos o desenho estético dessas formas, pensamos:
- Por que tal membro do nosso corpo não é retilíneo, ou ovalado perfeitamente dentro de tal simetria estética?
Isso acontece para que se prove quão prodigiosa é a nossa mãe natureza, sendo a sua perfeição estética desconsertante, funcionando dentro de uma ordem que não conhecemos, e a estamos vendo quotidianamente há milênios.
E a máquina dentro da sua utilidade?
Sem ela nossa vida teria outros valores, como de fato já teve.
Estas comparações nos fazem perceber os valores evolutivos da nossa consciência.
Olhando para uma enorme rocha ou rochedo, imaginamos:
- Que resistência!
- Que fortaleza!
Pois sim, resistência e fortaleza, porém, aqueles aglomerados de moléculas inocentemente invisíveis que o homem fez o favor de juntar e selecionar, e que na sua petulância os batizou pelo nome de urânio enriquecido, botam toda essa fortaleza abaixo, num piscar de olhos, fortaleza que a natureza levou muitos milênios para criar, e que seu usurpador, também, conhecido pelo nome de homem, ou melhor, homo sapiens, vem e destroe, insistindo em cuspir no prato em que comeu.
"Inteligência ímpar", gaboleia-se dos seu feitos, quero vê-lo recriar uma nova montanha por ele destruída, no mesmo prazo em que a destruiu. Portanto, está bem claro que destruir é muito mais fácil que construir.
O homem organizou as tais partículas atômicas, e só isso foi o suficiente para tanto poder destruidor. Nem sei se isso pode ser chamado de poder. Todo esse poder está bem perto da nossa mão, porém, infinitamente longe, dependendo de alguns simples jogos de lentes e seus reflexos, vulgarmente conhecido pelo nome de microscópio, para podermos ver esses simples bichinhos chamados de partículas atômicas.
- Era um sábado de manhã, e Charles foi à cidade, movido por uma vontade incontida de ler, chegando numa banca de jornais, e olhando para umas revistas, escolheu uma dessas esotéricas, e ali estava Adroaldo, um desconhecido, que lhe perguntou:
- Desculpe-me senhor, gosta desses assuntos de outros mundos?
- Sim senhor, gosto muito!
Ávidos em saber, começaram a trocar algumas idéias, e papo vai, papo vem, Adroaldo o convidou para tomar um café. Perto daquela banca de jornais havia uma padaria, e ali naquele balcão daquele estabelecimento comercial, começou a nascer uma nova amizade.
Dali para frente, Adroaldo sempre freqüentava a fazenda de Charles. Adroaldo sendo membro de uma confraria de uma comunidade fechada, convidou Charles para fazer parte daquela loja. Charles visitou o local, e conversou com alguns membros daquela casa, e um dos graduados entre eles, falou a Adroaldo:
- Adroaldo, este irmão já passou pela nossa escola, e tem instrução que nós não imaginamos. Talvez com a sua permissão possamos nos reunir em sua residência, para tratarmos destes assuntos.
Adroaldo conversou com Charles, pedindo a tal permissão, no que foi prontamente atendido.
Chegou o dia, e lá estavam aproximadamente cinqüenta pessoas. Fizeram daquilo um cerimonial. Alguns deles falaram e pediram para que Charles também se manifestasse, e ele não se fez solícito, pensou, pensou, e:
- Meus amigos e convidados, muito me honra tê-los em minha residência, é com toda a humildade que este irmão lhes fala, pois, quando reunidos de boa índole, despidos de maus pensamentos, formamos um campo magnético de energias, e para que assim continue sendo, é necessário que todos estejamos num só e bom propósito.
Sabemos que, um pouco mais de fermento leveda toda a massa, não nos esqueçamos, pois, somos a massa, e o fermento os nossos pensamentos, portanto, esta massa deverá estar equilibrada em seus ingredientes para que este bolo seja digno de um bom sabor.
Tanto é verdade, que as energias são inerentes ao seus instrumentos. Basta olharmos as igrejas, quiçá, veremos, arruaceiros, tiroteios, orgias, e outros males pertencentes a estas castas.
Meus amigos, poderia usar outras palavras, como: espírito, eu maior, fluido, e toda sinonímia possível para me expressar, mas, vocês já estão cientes que a simples maneira de se pensar é que conta, sendo ela a estrada que nos leva à consumação dos nossos atos.
Falarei um pouco sobre a bondade, esta é o maior propósito da humanidade, quer consciente ou inconscientemente deste bem. Consciente varia de acordo com o conhecimento de cada ser. Inconsciente, em determinado caso sobrepuja até o conhecimento, pois, nele está o mais puro altruísmo, sendo muito útil ao benfeitor, que o faz pelo instinto do amor, sem esperar nada, absolutamente nada em troca.
Meus conservos, a humildade é outro bem, diz o provérbio:
- Onde a humildade vai a honra chega primeiro!
Esta humildade, é o reconhecimento, que nesta vida não somos grande coisa, porém, paradoxalmente, é ter a sabedoria da nossa importância.
Estas contrastantes idéias merecem explicações, quando falei grande coisa, foi para dar conotação variável desta explicativa.
Temos que reconhecer que somos o próprio universo, fazendo parte de outros universos, e somos apenas energias, e quando pronunciei apenas, não foi no sentido pejorativo, mas, para elucidar e dar ênfase a esta energia.
Prova incontestável dessa energia é: Uma pessoa pode ficar vários dias sem comer, porém, sem respirar ficará alguns poucos minutos.
- O oxigênio, angelicamente invisível, pode ser energia incontrolável, basta pensarmos em tornados, e furacões. Quase todo nosso corpo é água, ou seja: oxigênio e hidrogênio, desta dupla se faz combustão, e consequentemente combustível, é pura água se transformando em energia.
Tudo isto meus amigos, para falarmos de humildade, somos tudo e somos nada, pois, ao morrermos deixaremos esses nossos bens de valores materiais, para os que ficarem em nossos lugares. A humildade está simplesmente na simplicidade, e não na prosternação, na auto-piedade, isto tem outro nome: Negativismo!
Meus comparsas, gostaria muito de continuar aprendendo, e para tanto passo a palavra para quem se habilite.
- Meu muito obrigado!
Depois outros continuaram aquela palestra, e encerraram a reunião.
Adroaldo conjeturou com aquele mestre que havia falado a respeito dos conhecimentos de Charles, em outros planos...
- É... você tem toda razão, Charles com certeza teve outras escolas!
Depois daquela reunião, Charles perdeu o sossego, muitas pessoas o procuravam confundindo um pouco as coisas, esperando dele algum milagre, e ele estava sempre pronto para orientar e aclarar os seus caminhos.
No dia seguinte daquela palestra, e no almoço com a família. Mariana perguntou:
- Papai, por que ontem naquela reunião, você deu aquela aula de química para explicar aqueles temas?
- Minha filha... vou contar-lhe um sucedido com o seu avô, Tonico:
- Seu avô... como você sabe, foi um próspero comerciante, e que depois perdeu quase todos os seus bens, eu era muito jovem, mas, participei daqueles acontecimentos.
Lembro-me perfeitamente, que certo dia veio um advogado ameaçando-o com a penhora de seus bens, bem como, até os domésticos, a saber: móveis, telefone, geladeira, etc... Tonico pediu ao tal seqüestrador de bens, que se possível fosse, lhe deixasse apenas o fogão, e que o resto poderia levar.
Aquele advogado fez uma pergunta curta e grossa ao seu avô:
- Seu Antonio, e o seu advogado?
- É Cristo! Laconicamente respondeu Tonico.
O advogado sendo também Cristão, ficou muito comovido, e abraçando seu avô, contra argumentou:
- Deixarei esta causa nas mãos da justiça divina!
São fatos que exemplificam uma justiça divina, além da nossa, coisas do além.
- Um outro fato interessante, acontecido com Tonico Prado:
Não sei porque cargas d`águas, seu avô teve um entrave com um tal... Peterson, um jovem que, por toda lei queria bater no seu avô. Nesta altura seu avô já era muito religioso, e não quis brigar com o jovem, dizendo-lhe:
- Peterson... sejamos amigos, esse negócio de briga não dá camisa a ninguém.
- O senhor não tem vergonha de se acovardar?
- Logo o senhor que tem fama de valente!
- Se, o senhor não quer brigar, vai apanhar do mesmo jeito!
- Peterson, não vou brigar com ninguém, e não tenho vergonha de me acovardar, e sim, de ter fama de valente!
Mariana, seu avô foi um homem muito bom e caridoso, porém, foi muito briguento, tendo sido preso por nove vezes, na sua mocidade. Mas isso não vem ao caso agora.
Houveram alguns empurrões por parte do jovem Peterson, e tudo se normalizou.
Tonico louvou a Deus por tudo aquilo, como é o dever de um bom cristão.
Mariana pensou:
- O que tem essa história toda a ver com a minha pergunta?
Porém, conhecendo bem o velho, esperou a conclusão da história sobre o avô.
Seu avô era doador de sangue, na Santa Casa de Misericórdia.
Num certo dia, foram buscá-lo, pois, havia acontecido um grave acidente, e foram atrás do seu sangue. E lá, o seu avô chegando, lhe pediram uma transfusão direta, pois, o paciente estava nas últimas. Colocaram o seu avô numa maca e o levaram até o leito do acidentado, que se encontrava inconsciente, logo o paciente foi se recuperando, e para surpresa de todos os presentes, era o tal Peterson, querendo interromper a transfusão e dizendo-se inimigo do seu avô.
- Mariana minha querida filha, poderia contar histórias verídicas como esta, naquela reunião, para explicar a humildade, o amor e outros dotes revelados ao ser humano.
- Papai, estou orgulhosa de você, pois saiba, você falou muito bem ontem naquela reunião!
- Papai você fala muito de vovó e vovô.
- E seus avós?
- Sim, foram muitas as façanhas dos meus avós, contadas por papai, então lá vai mais uma:
Chico Belo, como era conhecido, dono de muitas terras, era muito vaidoso e mulherengo, por isto e mais aquilo, o dom Juan foi apelidado de Chico Belo.
Chico Belo, ficou paraplégico, sofreu muito, pois, era um homem muito orgulhoso e independente, mas, tinha lá suas bondades. Chico orgulhava-se dos seus filhos, que por sinal lhe davam muito trabalho. Donana, minha avó querida era uma santa, como a maioria das mães, que estão sempre protegendo seus filhos. Tércio, meu tio, filho do meio, o mais arruaceiro deles.
- Mariana como você pode ver, os pais vão legando suas qualidades aos filhos, e nesse negócio de briga, espero tenha terminado na sua geração, e que nela não haja nenhum resquício dessa ignorância. Nunca esqueçamos, violência só gera violência, como uma bola de neve descendo ladeira abaixo.
- Mariana, estas minhas história estão lhe agradando?
- Estão sim, papai, pois, se são fatos, aconteceram, e se aconteceram...
- Porque negarmos os fatos?
- Pois bem, vamos continuar:
Tércio tinha um amigo, Zé Ferro, e cheguei a conhecê-lo.
Os dois amigos se encontraram num bar chique da cidade, e começaram a beber, bebiam e conversavam amistosamente, num dado momento, um falou ao outro:
- Vamos quebrar o pau aqui dentro deste bar?
- Com quem?
- Ora... ora... nós dois!
- Vale tudo?
- Sim!
De começo lá se foi uma cadeira, e depois uma mesa, garrafas, etc...
Já exauridos, um falou ao outro:
- Vamos parar?
- Não... vamos continuar!
- Por que, você já cansou?
- Sim!
Encostaram-se no balcão e pediram uma bebida, e um perguntou ao outro:
- O que é que conversávamos?
Sim, sobre o madeiramento da casa do Onofre, rapaz... ficou um serviço de primeira!
Enquanto a platéia curiosa assistia a cena cinematográfica dos dois panacas, naquela hora chega uma velhinha franzina, e fala:
- Tércio...
Quando Tércio olha, leva um tremendo tapa no rosto, era Donana sua mãe que completa a frase:
- Está preso!
Zé Ferro quis resistir, mas, Tércio fala:
- Você ouviu rapaz, está preso!
- Bem, ao seu respeito, e ao de sua mãe, eu vou!
Baixaram a cabeça como dois cordeiros, e acompanharam Donana, que foi falando aos policiais:
- Podem deixar comigo, vou com eles!
Um dos soldados quis interferir, e a velhinha:
- Vocês querem levá-los... lavo minhas mãos?
- Não senhora, vamos à frente!
No caminho, aqueles policiais discutiram entre eles se aquela velhota levaria os meliantes, ou não, e fizeram até apostas entre eles.
Chico Belo, em sua cadeira de rodas, muito nervoso, nada podia fazer a respeito do filho, e sempre estava acontecendo coisas do gênero.
Aí está, Mariana, mais uma comédia humana.
- Papai, e Tércio nunca respondia mal a sua mãe, numa situação destas?
- Não, nunca, Mariana, ele simplesmente a acompanhava, e nem ele e nem ela falavam absolutamente nada, até que o entregasse à grades, aí sim, ele tomava a sua bênção, e ela o abençoava, dizendo-lhe:
- Até mais ver, meu filho, e vê se cria juízo!
Mariana, estes relatados em suas minúcias e detalhes sempre ouvi contados por meu pai, Tonico.
Charles nunca se julgou o dono da verdade, mesmo em suas palestras, sempre fazia questão de frisar isto, e jamais deixava de ouvir alguém que lhe falasse, mesmo sendo este, uma criança, defendendo a tese, que pelo fato de ser uma criança, ainda estava com muitos resquícios de uma vida pregressa, porém, sem a devida malícia desta pausa infantil, ou desta introdução preparatória para esta vida.
Lembrava-se também, dos gênios infantis, a exemplo de Mozart, que na sua mais tenra idade dava concertos, colocando muitos eruditos em xeque-mate, fundindo-lhes as cabeças. Discorria, que as crianças estavam tão ligadas as suas experiências de vidas anteriores, que de lá traziam consigo muitos conhecimentos.
Outro exemplo de vida, que Charles narrava a respeito do seu querido pai Tonico:
Tonico Prado, quando jovem levantava muito cedo da cama, ali pelas cinco da manhã. Era tecelão numa fábrica da cidade. Morava retirado do centro, onde se situava na época aquela tecelagem.
Numa daquelas madrugadas de junho, gélida e anuviada, trêmulo de frio, seguia Tonico para o trabalho. Naquele tempo, não havia quase nada de iluminação pública, porém, ele transitara por aquele caminho por alguns anos seguidos, portanto, é desnecessário falar que, o homem das fazendas e teares, o conhecia de cor e salteado.
O carma de Tonico, com certeza o fadara a prestar assistência humanitária neste mundo complicado em que vivia.
Caminhava solitariamente, talvez pensando nos próximos dias em que haveria de nascer Charles, O Homem Que Deixou De Sofrer, porém, naquele momento, nem imaginava que seria o genitor de tão nobre criatura. Caminhando distraidamente tropeçou e caiu sobre um monte, que lhe pareceu ser um saco de feijão, esta foi sua impressão naquele instante, mas, ao verificar deparou com um velho amigo de infância escolar. Era Euzébio, um comerciante do ramo de roupas feitas, como se dizia na época.
Euzébio se contorcia em convulsões espasmódicas. Euzébio estava passando por dificuldades de ordem financeira, e naquela madrugada fria, tomara a mórbida decisão de consumar um suicídio.
Tonico carregou o amigo sobre seus espadaúdos ombros, e dirigiu-se à Santa Casa de Misericórdia, local este, que haveria de freqüentar por longos anos no auxílio de outros tantos.
O socorro foi imediato, lavagem... lavagem estomacal, gritavam os médicos. Euzébio havia ingerido soda cáustica.
Euzébio foi salvo por pouco, graças aos cuidados médicos, e a atitude de Tonico, que passou a freqüentar a casa do amigo, no afã de lhe dar apoio moral.
Euzébio tornou-se um grande filantropo, no amparo da comunidade carente do lugar.
Tonico regozijou-se na renovação de vida do novo homem, Euzébio.
Aquele passado distante, agora, para Charles, deixou uma insigne lembrança do amor, pois, quando Tonico tirava sua camisa, o que costumeiramente fazia nos dias quentes, lá estava tatuada no seu ombro direito a marca da caridade, que laivosamente descia pelas suas costas, uma enorme cicatriz, local onde o vômito miasmático de Euzébio, havia transitado, representando a simbiose de dois seres: Tonico versos Euzébio.
Tonico ao dar assistência ao amigo, perdeu dias de serviço, correndo de uma lado para outro, indo parar até na delegacia, para prestar esclarecimentos sobre o ocorrido.
O fato mais frustrante que sucedeu naqueles dias foi, o assédio, pois, a esposa de Euzébio começou a assediar o altruísta Tonico Prado, que graça à sua religiosidade já não sofria da grande peculiar doença da humanidade, chamada de concupiscência.
O silente Charles, passava horas relembrando estes fatos contado pelo velho pai e, de quando em vez, saía da sua síncope mnemônica, para relatá-los à família e amigos.

CAPÍTULO XII

O MENINO TECO

Charles contava sempre um fato que acontecera com ele, na linha do virtuosismo precoce.
Teve ele um professor de matemática e este era amigo da sua família, professor Abdula.
Certo dia, este professor convidou Charles para um passeio, impondo-lhe uma condição:
- Charles, vamos engraxar os sapatos!
- Professor, não entendi!
- Engraxar os sapatos?
Sim... vamos... e vamos logo que tempo é dinheiro!
O que iriam fazer afinal?
Chegaram à praça da matriz, e lá estavam três garotos engraxates.
Aproximando-se, foi dizendo o professor:
- Olá, Teco!
- Oi professor Abdula, como vai?
- Tudo bem, Teco!
- Este é Charles, meu aluno!
Teco, era um garoto humilde, com onze anos de idade, trabalhava duro no ofício de engraxar sapatos.
- Como é professor, o pessoal lá do senhor, aprende ou não... tirar a prova real?
- E... moleque insolente é esse teco de gente!
- Insoquente, como é que o senhor disse?
- Vamos lá garoto, você só sabe mesmo fazer duas coisas, engraxar sapatos, e fazer algumas continhas de cabeça.
Charles só olhava e escutava aquelas brincadeiras de boca, entre os dois.
- Sente-se aí Charles, que Juca vai engraxar seus sapatos, enquanto Teco engraxa os meus, pois, é só isso mesmo que ele sabe fazer!
Enquanto os moleques trabalhavam, o professor tirou um papel do bolso, e perguntou:
- Está disposto, Teco?
- Eu bem que estava desconfiado, porque o senhor quando encosta aqui, é só mesmo para aprender um pouco de matemática.
- Desculpe-me a brincadeira, professor Abdula. Diz Teco, meio arrependido daquela brincadeira.
Charles já estava bastante incomodado com aquela situação, e até meio enciumado com aquele garoto arrogante, e sem saber o que estava fazendo ali, se perguntou:
- O que pode significar tudo isso?
- E, esta liberdade toda, entre esse garoto pedante e o ilustrado professor Abdula?
- Charles, preste atenção no Teco! Impõe mais uma ordem o professor.
- Vamos lá, Teco!
- Vamos lá, professor!
- Pronto, e agora, onde será que vão esses dois malucos? Pensou Charles.
- Vamos de cúbica primeiro, tá...!
- Tá, professor!
Agora ficou complicado, pensou Charles:
- Decúbica, seria alguma ginástica?
- Teco, tal número...
O garoto divagava, e instantaneamente dava o resultado, que era a extração de raiz cúbica, inerente ao respectivo número que o professor havia cantado.
- E isto ocorreu com vários números, inclusive com extrações de raiz quadrada, etc...
O professor pagou os serviços dos garotos, e ainda lhes deixou uma gorda gorjeta.
De volta à casa do professor, argumentavam sobre Teco:
- Viu Charles, o que é a natureza humana?
- Bem, professor, o senhor tem aí uns números, quero ver isso aí confirmado ali no desdobramento mesmo!
- Charles, por que você acha que os anotei?
- Charles, Deus dá asas para quem não sabe voar, pois, aquele garoto poderia se tornar um grande engenheiro, químico, físico, etc... se tivesse condições.
- Você sabia... que ele nem freqüenta escola?
- E como ele sabe essas coisas... que o senhor está dizendo que sabe?
- Daqui a pouco você verá que ele sabe, quando eu calcular estes números, você verá com certeza!
- Charles, também não sabemos onde ele aprendeu, porém, imaginamos que tenha aprendido em outra vida ou plano, é a única explicação lógica que temos. Eu e alguns colegas estamos a fim de ajudá-lo, entretanto, existe o problema da sua precocidade, como você mesmo pôde constatar.
- Desculpe-me professor Abdula, mas, não constatei nada, apenas, ouvi um garoto grosseiro dizendo uns números e o senhor dizendo outros.
- Charles, você ainda é muito jovem, esse garoto grosseiro, nunca teve pai, e sua mãe foi uma prostituta, e hoje ele vive com a sua única tia, não tem nenhum irmão, e para completar, ele sofre de hemofilia, estando sujeito a morrer esvaído em sangue em qualquer pequeno acidente, que Deus o livre!
Charles garotão também, ouvindo aquela conversa de Abdula, pôs-se a chorar, pois, a sua situação monetária, tinha uma leve semelhança com a do garoto engraxate. Abdula também, não contendo as lágrimas, desabafou:
- Nós... dois homens chorando!
E ao quebrarem uma esquina, deram de cara com Dirce, que prontamente, perguntou:
- Vocês precisam de alguma coisa? Dona Dirce era professora, e colega de Abdula.
- Obrigado professora Dirce, está tudo bem! Respondeu Charles aos soluços.
- Obrigado, está tudo certo, Dirce! Agradeceu Abdula.
Chegando à casa do professor, Abdula fez todos os cálculos referentes àquelas extrações, e ali tudo bateu com máxima exatidão.
Charles jamais se esqueceu daquelas imagens do menino Teco.
Charles evitava relatar aquele fato, pois, se emocionava só em pensar.
Mariana era semelhante ao Teco, em seus dotes. Charles estudava sobre estes comportamentos, afirmando que o menino Teco, representava para ele um prenúncio seqüencial, para a espera de Mariana, como se fosse uma seta indicando-lhe o futuro.

CAPÍTULO XIII

O ENSAIO

Mariana muito criança ainda, gostava muito de música, que juntamente com o pai, ouvia as eruditas. Charles conhecia solfejo, que aprendera nos tempos de prisão, e transmitia à filha seus parcos conhecimentos. Num dado momento Mariana lhe disse:
- Papai gosto tanto de violino, acho a sua sonoridade excepcional.
Não demorou quase nada para que Charles aparecesse com um belo instrumento, presenteando a filha.
Mariana, já acostumada com as atitudes do pai, deu-lhe vários beijos e abraços, agradecendo-o.
Mariana tornava-se uma violinista despretensiosa, executando aquele instrumento por puro amor e prazer.
Charles formalmente indagou-a:
- O que acha do conservatório musical?
- Papai, se você está me inquirindo formalmente, posso até me tornar uma livre-docente em música, para satisfazê-lo...!
- Não minha filha, a escolha é sua!
Mariana, autodidata, tocava com muita maestria aquele instrumento.
Numa daquelas reuniões, que Charles promovia em sua casa, encontrava-se um maestro, e pouco antes de começar a reunião, estava Mariana solando uma melodia de Vivaldi, e o maestro ao ouvir aquele mavioso som, para ele tão familiar, disse:
- Charles, quem está solando esse violino?
- É minha filha Mariana!
- Posso dialogar com ela, se não estou sendo indiscreto?
- Sim... é claro que sim, maestro!
Chamou a filha, e a deixou com o maestro.
- Mariana, sabe que você poderia ser uma grande solista?
- Obrigada maestro Silvério, fico lisonjeada!
- Onde você estuda, que não a vejo no conservatório?
- Estudo em casa, maestro.
- Você é um talento!
- Gostaria muito de levá-la para o conservatório, e quem sabe até para nossa orquestra sinfônica!
- Obrigada, maestro!
- Agradeço... e vou pensar no assunto.
O maestro tanto insistiu, que Mariana o acompanhou até um ensaio. Ambos se acomodaram perto de um violinista, que se encontrava ali pela primeira vez.
À frente da orquestra estava uma maestrina.
E diz o maestro Silvério:
- Mariana, aquela maestrina é minha filha, depois do ensaio vou apresentá-la.
- Obrigada, terei o máximo prazer em conhecê-la!
Começou o ensaio e, Mariana atenta à partitura e ao violino daquele velhinho que estava ao seu lado, e no refrão daquela melodia, o violinista atravessou, aquilo foi o suficiente para que o maestro Silvério perdesse as estribeiras, chamando a atenção do ancião que, calmamente encostou o seu instrumento ao lado, até que o ensaio terminou.
A maestrina veio até o pai, e foi apresentada a Mariana, e foi prazer daqui, prazer dali, etc...
- Papai, quero lhe apresentar uma admirável pessoa, vem cá.
- Este é o professor Boreli e, é o meu mestre predileto!
- Há quarenta anos é professor de violino, tendo lecionado por longos anos na Academia Real de Budapeste.
- O maestro Silvério todo desconcertado, e até mesmo sem conserto, saudou o mestre, dono daquele violino que ele mesmo havia interrompido de tocar. Porém, pairava uma dúvida atroz na cabeça de Silvério:
- Como poderia um músico de tal quilate, ter atravessado daquela maneira?
Era um problema de fermata, a maestrina Judith, havia abolido aquela fermata daquela estrofe, e o professor Boreli, tendo chegado um pouco atrasado, e não sabendo da tal mudança, tocou perfeitamente como mandava o figurino, respeitando a partitura.
Daí houveram explicações de todos os naipes, ficando tudo esclarecido.
Aqui está mais um exemplo de humildade, mais que isto, de sabedoria, o professor Boreli era ecologista demais, para se incomodar com a implicância humana, tendo plena consciência, de que qualquer ave canora era melhor musicista que ele, e neste particular conhecia suas limitações, pois, era ele ornitólogo, e se fazia dele estas palavras.
Como estudioso dos pássaros, conhecia seus costumes e hábitos.
Saindo todos do ensaio, foram para uma ceia na casa de Silvério, sendo que, o professor Boreli foi assediosamente convidado a participar. Na hora da ceia, Boreli, espontaneamente servia a todos, sem se preocupar com quebra de protocolo, com muita espirituosidade, simplicidade, e despojamento, conquistava a todos.
Resumindo, estas qualidades estão no fato de se estar cristalino.
Mariana chegando em casa, comentou o acontecido com o pai, e ele por sua vez, ficou muito feliz por ela ter presenciado tal ocorrência.
- Papai... falou Mariana.
- O professor Boreli é entendido em aves, e nos deu uma aula sobre elas.
Mesmo porque, Judith insistentemente o forçou a falar, e disse ele:
Um sabiá demarca o seu território num diâmetro de cinco metros do seu ninho, para que outras espécies não se aproximem com seus trinados a influenciar seus filhotes, no que tange a especificidade do seu canto, além, de discorrer sobre os colibris, e outros.
- Papai, tenha a certeza que aprendi muito com o velho Boreli, fiquei encantada com sua musicalidade e sabedoria.
Pois é Mariana, esta é uma das raras pessoas que levam o desaforo para casa, já o mesmo não poderíamos dizer do seu avô Tonico.
- Deveria ter meus cinco anos de idade, e lembro-me com bastante clareza, seu avô comprou um pedaço de terra, e para lá fomos morar, e como ele próprio construiu a nossa casa, também fez a instalação elétrica, puxando a rede em postes de madeira, que faziam ziguezague para desviar dos canteiros de hortaliças e flores, que ele também cultivava com muito amor e capricho.
Lembro-me da sua capacidade distributiva ao repartir com os vizinhos suas leguminosas, das quais muito se orgulhava.
Num daqueles dias, chegaram os homens da companhia de energia elétrica, chamaram por mamãe, que naquele instante estava lavando nossas roupas, e eu dentro do meu camisolão, espiava inocentemente aquela movimentação. Junto deles estava o chefão, um tal... doutor Plínio, proprietário daquela usina.
O tal chefão disse a mamãe, que iriam entrar para botar ordem no nosso terreiro, pois, os postes ali do nosso quintal estavam fora de disposição, e eles iriam ordená-los. Mamãe pediu a eles que esperassem por papai, porém, eles foram intransigentes invadindo o nosso espaço. Colocaram os nossos postes, todos em linha reta, pisando os canteiros, amassando as plantas, e ainda deixaram dois postes que sobraram, jogados sobre um canteiro de couves.
Papai se camuflava como se fora um camaleão.
Chegou calmamente e perguntou:
- Nenê o que houve aqui, um terremoto?
- Tonico, os homens da usina estiveram aqui e... Contou tudo o que havia acontecido, e confirmou que o tal doutor Plínio e seus homens voltariam para terminar o serviço, etc...
No dia seguinte, que era uma quinta ou quarta feira, papai faltou ao serviço para esperá-los. E chegaram, e lá estava o chefão a bater palmas pelo lado de dentro do portão, juntamente com seus auxiliares.
- Seu Antonio o senhor não sabe que... Nem terminou a frase e já levou um sopapo nas ventas, indo cair para o lado de fora do portão, enquanto seus funcionários seguravam seu avô.
- Larguem-me, estou cônscio do meus atos, dizia Tonico.
Um dos funcionários que era muito conhecido de papai, desde a infância, e que o segurava, disse:
- Que maravilha, quisera eu fazer este ato de nobreza, há muitos anos venho esperando por isso.
Depois daquele bafafá, Tonico dentro da sua peculiaridade, foi se apresentar à polícia. Detiveram-no, e logo apareceu por ali seu patrão, e tudo se resolveu.
- Mariana estou contando um fato inverso ao de Boreli, dois bons homens, em caminhos diferentes, porém, Boreli se não usar da hipocrisia, ao que parece não usa, sem dúvida é mais inteligente em suas atitudes.

CAPÍTULO XIV

O FUNCIONÁRIO

A família reunida, como era de costume dos Prados, entra Mário bruscamente, porém, se desculpando.
Charles pergunta-lhe:
- Algum problema, meu filho?
- Papai você se lembra daquela máquina?
- Que máquina?
- Aquela do conserto!
- Ah... sim!
- Pois, o operador dela faltou hoje, com o pretexto de termos agraciado com uma máquina mais nova a um dos seus colegas.
- Pai, você conhece este funcionário!
- Não é o Carmo?
- Sim, é ele mesmo!
- Só que há outro problema, ele é o presidente do sindicato dos metalúrgico da região.
- E por que, Mário, você já não o promoveu?
- Mas, papai, isso é desaforo, promover alguém na base da chantagem?
- Meu filho, quem está no inferno, tem que agradar o diabo!
- Papai faça-me um favor.
- Sim, pois não!
- Quero que você esteja na minha sala, quando chamá-lo para uma conversa entre nós três.
No dia determinado, Mário chama o funcionário.
Abriu-se a porta e:
- Com licença doutor Mário?
- Sim, tudo bem... Carmo?
- Carmo, deixe-me apresentar-lhe meu pai.
- Muito prazer, meu nome é Charles!
- Carmo, às suas ordens!
- Pois não, doutor Mário.
Começaram a discutir o problema daquela máquina.
Os ânimos já estavam se exaltando, quando Carmo falou:
- Pois bem, convocarei uma greve!
- E qual o motivo dessa greve, Carmo? Era a pergunta de Mário.
- São tantos os motivos, doutor... insalubridade por exemplo.
- Desculpem-me, não tenho nada com o assunto, mas, senhor Carmo, estamos vivendo dias recessivos, e muitas filas de trabalhadores se formam à procura de empregos, na luta pela sobrevivência. Que tal se vocês entrassem num acordo, pois, mais vale um mau acordo, que uma boa demanda. De um lado me parece ser o Senhor Carmo um eficiente funcionário, e do outro, Mário um amigo e cordial patrão.
E com uma promoção a aquele funcionário, se resolveu aquela situação.
Pai e filho eram mesmo habilidosos, em se juntando, crença e senso de justiça moral, eles eram quase completos.
Logo depois, já em casa, Charles comentou com o filho:
Verdade política, não tem outra maneira, até os grandes homens, através das suas metáforas, resolviam muitos problemas de ordem social.
Os seres humanos gostam de ouvir somente o que eles querem ou pensam em ouvir, e assim sendo, temos de deixá-los comprar nossas idéias sem que se apercebam que, nós as estamos vendendo, contanto que elas sejam boas para ambas as partes.
Somos adultos, iguais às crianças chantageando seus pais, para conseguirem seus brinquedos.
- Neste caso, Mário, o radicalismo poderia ser ruim, tanto ao sindicalista, como ao empregador.
A psicologia é imperiosa. Quantos poderosos caem dos seus tronos, por colocarem suas palavras incorretamente.
Podemos ser verdadeiros, justos, honestos, bondosos e bem intencionados ao conversarmos com alguém dentro da educação e cordialidade, e podemos ser tudo isso que acabamos de dizer, na maior grossura e estupidez.
É óbvio que, as conotações serão extremamente diferentes, e nisto é louvável a auto-estima humana, porém, pouco inteligente na sua manisfestação. Como é o caso de se levar ou não o desaforo para casa, num mal entendido qualquer. E quando falamos: pouco inteligente, é justamente por não sabermos decodificar os textos, as inflexões, os gestos, e os tons das vozes que nos falam.
Jesus, o Cristo, sendo eleito o filho de Deus, não se cansava de usar suas parábolas, jogava com as palavras para amainar a incompreensão do povo, deixando sempre uma equação, para que seus ouvintes a resolvessem. Em outras palavras, deixava de ser direto e contundente, falando indiretamente, ou batendo na cangalha para o burro entender.
Os políticos quando se apresentam nos visores de televisões, invadindo o nosso lar, falam de maneira semelhante, às vezes falando de economia, dizem: O nosso país está enfermo, a nossa economia está muito doente, precisamos debelar este câncer que é a inflação. E, quando começam falar desta matéria, falam em indexação e desindexação, e outros termos que, só os mais instruídos podem entender.
- Como podemos ver, Mário, a vida é um jogo, e ganha, quem joga melhor, e talvez realmente ganhe aquele que joga para o empate, pois, o equilíbrio será sempre a melhor forma de jogar.
Se, no sentido literal de jogar, jogarmos com baralhos, e o nosso adversário perder tudo, até suas roupas do corpo, poderemos até ficar felizes por estarmos sendo vencedores deste jogo, mas... ficaríamos desolados se, nós nos colocássemos no lugar desse nosso adversário, perante a sua esposa e seus filhos, sem terem o que comer, enquanto aquele chefe de família, estava arriscando seu minguado salário.
- Papai, é possível possuir o que possuímos, honestamente?
- Sim Mário, dependendo do conceito de honestidade que tivermos.
- Se pegarmos ao pé da letra no que disse Jesus: - É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, que um rico se salvar! - Então...?
- Não nos esqueçamos destas quatro palavras:

INTERPRETAÇÃO - PARÁBOLA - RÓTULO E VERDADE.

- Falamos de jogos, pois bem, quem poderia julgar um jogador que, jogou e ficou milionário, num desses jogos oficializado até pelo governo?
- Se nós nos basearmos nas palavras de Jesus, então fica até mais cômodo, quando ele diz:
- "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus"!
- O trabalho também produz riqueza, porém, toda e qualquer riqueza deve ser produtiva, de maneira que, se possa através dela, dar oportunidade de trabalho aos homens.
- De que valeria um montão de dinheiro guardado?
- Porém, quem quiser ser rico e moralmente honesto, terá de pagar um preço de grande responsabilidade social!
Não importam muito as condições financeiras das pessoas - ricas ou pobres - elas não tiram muito partido dessas condições, umas em relação às outras, caso isto não fosse a mais pura verdade, não haveria suicídio por parte dos bilhardários, e nem tampouco, pela classe proletária ou plebéia, além de outras desgraças, haja vista que, o suicídio é recorde nos países mais ricos do planeta.
Todos estes assuntos geram ligações com o nosso passado e futuro, ou seja, causas e efeitos, pois, trazemos conosco vícios e virtudes em forma de sentimentos e desejos, daí o psicólogo, o pai, ou seja lá quem for, dizer: fulano tem o dom, a vocação disto ou daquilo. Estas explicações pura e simplesmente esplanadas não convencem, apenas são convenientes. Estas habilidades são experiências passadas, como venho dizendo há muito tempo a vocês. Elas nos acompanham, portanto, é preciso o desapego das coisas da matéria, tomemos cuidado, porque também, o apego errôneo nas "coisas" do espírito poderá nos ser pernicioso, como:
O ORGULHO ESPIRITUAL, a exemplo de alguém, que se julgue mais espiritualizado, ou santo, que os outros, este é terrível.
Após deixarmos nossos vícios, deixaremos também os nossos sofrimentos. E ao partirmos para outras esferas, não levaremos as mazelas e os resquícios das nossas manias, pois, se os levarmos será então... como a criança faminta a olhar vitrines de guloseimas, lambendo com a testa.

CAPÍTULO XV

O ÊXODO

A vida de Charles teve paz e turbulências, como a de qualquer ser mortal, porém, estava sempre a tirar proveito de todas as vicissitudes, sempre ávido do aprendizado, pois, é através do sofrimento ou da sabedoria, que teremos de chegar à consciência plena.
Não nos esqueçamos das distorções. É extremamente importante que cheguemos ao discernimento, pois, o nosso subconsciente, às vezes nos manda mensagens codificada, e devemos meditar muito sobre elas, pois, nem tudo que reluz é ouro, tomemos cuidado!
Charles, como qualquer mortal, envelheceu e chamou seus filhos, pois, a sua companheira, a quem tanto amou, já não mais existia e partilhou seus bens entre eles. Aquele foi um dia inesquecível e Charles fez questão de comemorar aquela data, posto que, era um bocado de bens. A princípio eles relutaram em recebê-los. Charles ficou com uma pequena chácara, onde agora poderia realmente cultivar seus lírios, hortênsias e outras tantas flores, lembrando-se do mestre Bepe e seus belos jardins.
Certo dia, Charles foi ao vilarejo para comprar seus alimentos básicos, quando uma pessoa lhe perguntou:
- Charles, você não tem medo da solidão?
- Meu filho, apesar de grande companheira, não disponho de muito tempo para ela!
- SOLIDÃO, esta é uma boa pergunta, do que tenho realmente medo é, de ter medo!
Como já era esperado, o povo do vilarejo descobriu o anonimato de Charles, e muitas pessoas passaram a procurá-lo, para ouvirem suas palavras, pois, sentiam naquele homem, um grande carisma e, levavam presentes e até mesmo dinheiro, que ele os recusava com muita educação e delicadeza, dizendo:
- Agradeço de coração, mas, tenho de tudo, nada me falta, existem pessoas muito mais necessitadas que eu, portanto, podem repartir com elas. Sou um homem abastado e muito feliz, cuidem de si mesmos!
Havendo ali, muitos curiosos e hipócritas, Charles, foi se cansando e, procurou um asilo de velhos e juntou-se a eles. Os filhos ficaram muito chateados com a atitude do pai e, começaram a ajudar aquela casa, talvez até para que fosse proporcionado ao pai, um maior conforto, mas, Charles, contradizia qualquer opinião a esse respeito, colocando-se em condições de igualdade com seus velhos irmãos daquele asilo.
Ali trabalhava Charles, em qualquer setor, desde lavando pratos às latrinas, e sem o menor preconceito.
Estava Charles conversando com um ancião e notou, que o seu rosto era todo marcado, por marcas a ele conhecidas, eram cicatrizes que se confundiam com rugas. Charles, começou a lembrar da chifruda, dos garotos que agrupavam aquela árvore, e:
- Malaquias, que prazer inusitado, reencontrá-lo aqui.
- Você me conhece?
- Malaquias, você se lembra onde arranjou essas cicatrizes do rosto? Sabendo de antemão através da intuição telepática que, este estava preparado para a enfática pergunta.
- Sim, lembro-me!
- Eu sou Charles da dona Nenê!
Charles ficou muito feliz por ver a doçura daquele que fora seu amigo de infância e, exclamou:
- Que mundo pequeno!
Num daqueles dias estava Charles socorrendo um dos velhos enfermos e, foi acometido de um mal súbito, entrando em coma.
Veio uma leva de amigos e parentes para vê-lo. Somente após dois dias, saiu daquela aparente inconsciência, voltando a receber visitas em seu estado normal. Chamou seus filhos e os poucos amigos que considerava, e deu a eles conselhos maravilhosos e, todos comovidos choravam.
Disse ele:
Não chorem por mim, mas, sim por vocês, pois, para onde estou indo é bem melhor que onde ficarão!
Charles predisse a hora exata da sua partida, e esta se cumpriu na íntegra e, Charles adormeceu para acordar noutro plano.
Conta-se que, quando da sua partida, o ar do ambiente ficou impregnado de um perfume inebriante, deixando boquiabertos os mais sensíveis.
Charles legou escritos, que talvez estejam dentro de alguma garrafa, como aquela atirada ao mar pelo náufrago, à espera do seu verdadeiro signatário.

CAPÍTULO XVI

CONSIDERAÇÕES

Caro amigo leitor, se você chegou até aqui, continue, pois, aprenderemos juntos, com certeza, mais algumas coisas sobre estas escritas.
Sentimos necessidade das descobertas, pois, aquilo que é desconhecido, muito nos fascina, mas, geralmente estamos trancafiados em compartimentos hermeticamente envidraçados, onde podemos tudo ver, porém, não enxergar, e não procuramos suas taramelas que, poderão nos soltar para a liberdade, compartimentos estes que têm como rótulos: medo - inveja - ciúme - mentira, etc...
- Por que não procuramos as saídas?
- Primeiro o medo, e depois o comodismo!
- Medo de magoar mamãe!
- Comodismo de ficar em seus doces braços!
Nestas duas atitudes, fala mais alto a ignorância, parenta mais próxima do egoísmo, que habita esse nosso sistema.
A exemplo do EGOÍSMO: Um pai estava à beira de um lago, e vê seu filho lá no centro, envolvido com as águas, afogando-se, e o mesmo acontecendo com outra criança, bem ali, perto da margem, pois bem, este pai atira-se às águas para socorrer o filho, mas, infelizmente ambas crianças morrem afogadas. Este pai se debulha em lágrimas, por muito tempo.
- Assunto chato este... não?
- Convenhamos leitor amigo, situação medonha esta, não?
O medo quase nos impede de tocarmos neste assunto de tal desespero, porém, são fatos, e enquanto estivermos nos escondendo atrás do nosso egoísmo, estaremos confortavelmente deitados sobre a nossa ignorância.
- Este pai chorou por longo tempo, somente por amar ardorosamente o seu filho?
- Possivelmente, não!
Sofreu e lastimou por ter perdido parte de si, aquela criança era sua companheira, sua alegria, entretenimento, sua herdeira, e outras coisas mais.
- Será que este homem não sofreu muito mais por si mesmo, que pelo filho?
- E a outra criança que poderia ser salva?
Numa situação desta, onde se posicionaria a sabedoria, e a ignorância?
Temos de pensar muito sobre estes detalhes, estamos tratando de desapego, como Charles relatou um fato antes da sua partida:
Havia um seu amigo, que sendo possuidor de um terreno, recebeu uma notícia, que alguém mandara fazer uma cerca sobre seu lote, e esta roubava-lhe alguns metros quadrados de terra, pois bem, este seu amigo era um senhor muito humilde, porém, possuidor de uma sabedoria incomum.
Imediatamente o velho botou uma enxada sobre o ombro e foi até o terreno, e chegando lá, começou a capiná-lo, enquanto os homens cercavam o seu pequeno, e agora mais pequeno ainda pedaço de chão.
Quando, chega a ele um poderoso industrial que, mandara divisar suas terras:
- Bom dia, senhor.
- Bom dia, como está passando?
O industrial começou a justificar aquela divisa, e o velho replicou:
- Meu senhor, com todo o respeito, o senhor olhando para mim, poderá ver meus cabelos brancos sobre uma acentuada calvície, e se, olhar um pouco mais abaixo, verá minha flacidez conjugada de rugas, conseguidos pela idade.
- Quanto tempo o senhor pensa que viverei?
- Portanto, quero preservar nossa amizade de bons vizinhos!
O industrial apercebendo-se do seu pobre egoísmo, e deste grande detalhe, desculpou-se, e mandou colocar aquela cerca no seu justo e respectivo lugar.
Sim leitor, grande detalhe, não pelos míseros metros de terras, mas, por outra implicações!
O DESAPEGO é, o grande triunfo sobre o egoísmo e o medo!
É ter tudo, como se não possuísse nada, e não tendo nada, como tivesse tudo!
Note amigo, você tem um chefe, não importando muito as suas qualidades, e este lhe transmite muita ansiedade, por força das circunstâncias. Você nota tudo nele, seus gestos, semblante, tiques, trejeitos, a tonalidade da sua voz, pois bem, ao decodificar esta personalidade, você sofre pelo medo, frustração, etc... Agora pense bem, que você tem dentro de si, todo um pessoal semelhante a este que acabamos de relatar: idéias, entidades, ou o nome que se fizer plausível.
No momento em que você leitor amigo, aprender a lidar com estas entidades, fatalmente aprenderá a cuidar melhor das pessoas que o cercam, posto que, elas, conscientes ou não, também são possuidoras de idéias.
Quando Cléo se apresentou a Charles e lhe disse:
- Chegará o dia em que quererá se apresentar desta forma simplista!
Esta forma de luz inibe conclusões precipitadas, não nos dando a chance de análise visual.
Amigo, se fechar os olhos estando comodamente relaxado, verá luzes e até pensará que não passa de pura imaginação, no que estará corretíssimo, pois, se não fosse a nossa imaginação não chegaríamos até nossas idéias, ou ditas entidades, que continuariam agindo sobre nossas inconsciências.
Se, treinar, ou praticar esta meditação, aprenderá com elas, as idéias, como fazer para deixar o sofrimento.
Um sábio do passado, uma vez falou aos seus discípulos:
- Meu povo sofre por falta de entendimento!
- Sabe quem foi este sábio?
- Foi Jesus!
- Gostaria de ter fama, com sofrimento?
- Seria bom ser pobre, com sofrimento?
- Sem o sofrimento, pouco importa quem sejamos!
O sofrimento do nosso corpo, também se elimina pela sua mortificação, através da maneira de pensar poderá liberar a endorfina que inibe a dor.
No tocante às dores do nosso corpo, é sempre bom procurarmos um especialista, pois, as dores são os termômetros que nos indicam que algo não está indo bem com o nosso corpo.
Leitor esteja certo que, as nossas doenças são de um percentual muito elevado de ordem psicossomática, portanto, cuidando do espírito, é possível uma saúde global.
- Como se consegue estes bens?
- Seja você, amigo, responsável, não se omitindo aos seus compromissos, enfrentando-os, mesmo tendo neles qualquer dificuldade, porém, nunca deixe de analisá-la, na intenção de solucioná-la, e procure sentir nela o maior prazer.
- Não é exatamente isso que você faz quando joga qualquer tipo de jogo?
- Você amigo é um jogador nato, pois, nasceu para isso, e a vida é o seu principal jogo.
Tenha prazer no seu trabalho, mostre que você sabe jogar com responsabilidade e despreocupação, não se apresse vá com calma.
- Você é eterno, mesmo que não queira e não creia!
A sua situação não pode ser tão difícil assim, pois, a primeira notícia que você teve nesta vida e que deve tê-lo chocado foi... a da sua morte, que um dia você morreria. Ora depois de uma notícia assim e da sua constatação, nada mais poderá assustá-lo!
Então levante sua cabeça, relaxe o seu corpo, fique cristalino, não se incomodando com as picuinhas e as intrigas, que por ventura possam fazer a seu respeito. E se, aquilo que costumeiramente chamamos de morte, aparecer no seu devido tempo, um tanto melhor, pois, você acaba de concluir mais uma etapa na eternidade, aprendeu e continuará a aprender sobre muitos mistérios, e o jogo continuará.
Companheiro de jornada não tenha tanta ilusão sobre o seu outro plano astral, que geralmente é conhecido por céu, pois, chegará até ele, e, se sentirá maravilhosamente bem, mas, chegará o momento em que verá, poder superá-lo, aí irremediavelmente terá que jogar novamente para galgar maiores evoluções.
Você já pensou, como seria cansativo ficar deitado sobre nuvens, rodeado de anjos a lhe servir, em turismo intermitente, em suma - num gozo perenal.
- Não deveria ser enfastiante?
- Quando se é bebê, pensa como tal, e assim se for jovem ou velho!
- Dejamos a você, nosso bom amigo, bons jogos na eternidade!
- E, por favor, pare de sofrer!

OBRA DE FILOSOFIA E AUTO-AJUDA

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